Como a Burguesia surfa nas ondas da pandemia

Como a Burguesia surfa nas ondas da pandemia

Por Flávio Amaral

Há muito o que dizer sobre a pandemia de Coronavírus como aprofundamento da crise histórica do capitalismo.

É preciso não se deixar seduzir ou comemorar a ideia de crise capitalista. O declínio de um regime, ou seja, a incapacidade da classe dominante conduzir uma sociedade, política e economicamente, é tão positivo quanto um edifício em ruínas. Somente a reação de uma nova classe, revolucionária, que aspire tomar o controle sobre o edifício e reerguê-lo, em bases melhores, é que pode ser comemorada. Enquanto isso não ocorre, a burguesia permanecerá como a administradora desta ruína, lutando até a morte para manter o controle sobre a sociedade que nela vive. O que significa lutar até a morte contra quem se oponha a sua dominação.

A crise capitalista tem efeito contraditório sobre a classe operária. Por um lado, abre espaço político para a organização revolucionária dos trabalhadores. Por outro, também produz imensa crise sobre as organizações da classe trabalhadora criadas no seio do capitalismo, a exemplo dos sindicatos e partidos tradicionais ligados a esta base social, popularmente chamados de “partidos de esquerda.” O presente texto busca esclarecer esta crise.

O avanço repressivo da burguesia

A última quadra histórica foi de claro avanço repressivo da burguesia, mundialmente. Para evitar que a recessão de 2009 evoluísse para situações de revolta popular incontrolável, a classe dominante trabalhou para desarticular os regimes de “colaboração de classes” existentes e patrocinar setores mais declaradamente fascistas. Esta desarticulação se refletiu nos resultados eleitorais de parlamentos, onde a polarização começou a aumentar, com piores resultados para os partidos conhecidos como “centro” e o crescimento de partidos da extrema-direita. E a esquerda apresentando resultados ambivalentes, normalmente com fortes divisões internas e alguma tendência à radicalização de setores minoritários, que normalmente são mantidos à margem do processo eleitoral.

Essa nova configuração do regime burguês ao redor do Planeta obviamente não foi capaz de trazer soluções à massa empobrecida, e revoltas populares voltaram a ganhar força nos últimos anos. Desde revoltas que tinham contornos de “primavera colorida” como a de Hong Kong – apoiada pelo Ocidente para enfraquecer a China – até ondas que começaram a sair do controle na América Latina, culminando com as revoltas chilenas. No centro do imperialismo, a situação não estava confortável para o governo francês, pressionado pelas revoltas conhecidas como “coletes amarelos.”

Outros imperialistas tampouco estavam em situação política confortável. O governo Trump foi marcado por uma série de ameaças de impeachment, e se fala inclusive de uma quebra do sistema bipartidário norte-americano. A Inglaterra sofre com as disputas em torno do Brexit, o que pode culminar no próprio enfraquecimento do Reino Unido. Espanha se vê sob fortes pressões separatistas e a Itália não consegue estabilizar um primeiro-ministro. Tudo isso abre espaço para o aumento do protagonismo de países do “segundo escalão”, bem como abre vazios políticos internos que podem ser ocupados por organizações da classe operária.

Novas ondas de protestos

O que não passou despercebido nas novas ondas de protestos, mundialmente, foi a ausência das lideranças operárias tradicionais, como sindicatos e partidos de esquerda. Obviamente que os setores mais radicalizados destas organizações estariam lá, mas ficou claro que as organizações em si, por inércia de suas direções, não ofereceram qualquer estrutura de apoio. Por isso as revoltas pareceram mais ou menos “espontâneas” e, inclusive, sofreram bastante com as usuais estratégias da burguesia de infiltração e tentativa de condução do movimento por caminhos menos radicais e mais conciliadores.

Esse vazio das organizações tradicionais da esquerda é resultado de uma campanha continuada para enfraquecer sindicatos e partidos populares, retirando suas possibilidades de financiamento, “regulamentando” sua atividade para que não consigam tomar iniciativas, perseguindo seus líderes sob pretextos de irregularidades jurídicas, pulverizando essas entidades em várias para dificultar a capacidade de mobilização, tentativas de emplacar quadros diretores menos combativos, pelegos e fura-greves etc.

Por uma “feliz coincidência”, eis que surge misteriosamente no meio de uma metrópole de 10 milhões de habitantes, um vírus “novo”. Totalmente desconhecido, apesar de ser parte de uma família de vírus das mais conhecidas, e batizado em analogia a um outro vírus bastante conhecido (SARS-CoV). Como se a natureza desse pulos, como se o sistema imunológico deixasse de existir, como se toda a ciência precisasse ser reinventada e princípios básicos de saúde pública não servissem mais. A campanha de medo promovida pela imprensa foi tão grande que parte expressiva da população preferiu abandonar a desconfiança nesses meios de comunicação e nos governos, e aceitar suas formulações religiosamente como a única opção. Como se nossos conhecidos algozes tivessem rapidamente dado as mãos e se preocupado com causas humanitárias, em informar a verdade, em salvar vidas.

O “novo” Coronavírus como disfarce da maior crise capitalista mundial da história

O “novo” Coronavírus serviu de pretexto para medidas repressivas e recessivas de toda ordem. Talvez a primeira tenha sido o fechamento dos mercados populares chineses. O pretexto é que o vírus poderia ter vindo de morcegos ou pangolins, mas ninguém explicou por que motivos ou como essa transferência se opera. Ninguém explicou por que o surto não começou entre os caçadores desses animais, que têm contato intenso e diário com os mesmos, ou entre as comunidades rurais onde a presença destes animais é muito mais frequente.

O governo não hesitou em fechar imediatamente o mercado popular de Wuhan, e logo expandir o fechamento para demais mercados do país. As poucas pesquisas sobre a origem do vírus foram deixadas de lado mas, mesmo assim, os mercados populares só foram autorizados a reabrir de 3 ou 4 meses depois. Muitos pequenos comerciantes fecharam, além do desemprego criado. Enquanto isso, as grandes redes foram autorizados a funcionar pela maior parte desse período.

Trata-se de uma típica estratégia capitalista de concentração. Nos últimos anos, a China vem experimentando desaceleração econômica. A desaceleração pressiona os lucros para baixo. Em resposta a isso, os grandes capitalistas agem no sentido de quebrar seus concorrentes menores, como forma de aumentar seu poder de monopólio. No setor de varejo, o aumento da participação das grandes redes atacadistas e a redução da participação dos mercados populares vem sendo observado naquele país, de maneira fulminante. O Coronavírus serviu de pretexto para acelerar este processo.

A pretexto do Coronavírus

A medida deu tão certo que o Ocidente a adotou logo em seguida. O fechamento de negócios “não essenciais” impactou diretamente uma série de pequenos comerciantes, favorecendo grandes redes que continuaram sendo “essenciais”, já que vendiam alimentos. Mesmo para os pequenos mercados que continuaram abertos, uma série de restrições e entraves foi aplicada. Dificuldades que acabam sendo mais drásticas para um pequeno negócio do que para um grande. O grande capitalista não tem problema em cortar da própria carne se o corte, que para ele é um arranhão, for fatal ao pequeno concorrente. Se beneficiaram ainda com facilidades concedidas pelo governo, por exemplo, redução proporcional de salário e carga-horária, suspensão de contrato de trabalho. Para o grande capitalista, isso significa redução nos custos. Para o pequeno negócio, onde o dono e a família são muitas vezes os únicos funcionários, isso significa redução nas vendas e na renda familiar.

O novo Coronavírus também serviu de pretexto para furar uma bolha financeira e reposicionar os grandes “investidores” (especuladores). A semana de 20 de fevereiro foi marcante neste sentido. O que estava acontecendo naquela semana em relação à pandemia?

Nada em especial. Nos aeroportos, EUA e Europa apenas demandavam quarentena de passageiros vindos de Wuhan. A OMS havia se reunido já pela segunda vez e não decretara estado de alerta. Os agentes da gestão pública avisavam que a situação estava sob controle, à exceção da Itália. Nos EUA já havia alguns casos detectados e algumas mortes em investigação. A situação também era considerada sob controle pelo CDC.

Um novo “estado de choque” com roupagem de Coronavírus

Da noite para o dia, a imprensa começa a bombardear o público com o fim dos tempos. Embora o coronavírus tenha chegado nos países e continentes em momentos diferentes, e sempre numa onda gradativa, as notícias que podem ser verificadas pelo Google Trends referentes ao assunto em qualquer país explodiram exatamente naquela semana, que foi exatamente a semana em que a Bolsa de Valores de Nova Iorque despencou.

A imprensa apresentou a notícia de que o vírus tinha feito a economia colapsar de uma semana para outra e ninguém questionou essa mágica. Mas na verdade estavam desviando a atenção para esse reposicionamento especulativo dos grandes capitalistas, enquanto preparava o público para aceitar como natural o colapso econômico que veio depois, causado pelas medidas recessivas de confinamento que aconteceriam em março.

A quebra na Bolsa de Nova Iorque em 2020 não foi tão grave, nem o estouro final de uma recessão econômica, mas apenas um ajuste. Até o dia anterior, Wall Street estava batendo seu pico histórico de 23 mil pontos.

Os capitalistas e analistas sabiam que aquilo não poderia durar para sempre, já que essa onda de alta não estava fundamentada em crescimento econômico condizente, e considerando que este pequeno crescimento da economia norte-americana já vem carregado de um endividamento público recorde. Os grandes já haviam reposicionado seus investimentos na direção da indústria farmacêutica, da indústria de alta tecnologia, dos setores ligados à Internet e, como sempre, dos bancos.

A queda especulativa de fevereiro de 2020 durou cerca de 2 meses. Atualmente, o índice já se recuperou e a Dow Jones continua batendo recordes, na faixa de 30 mil pontos. As quebras financeiras autênticas como a de 1929, 1973 ou 2007 foram mais profundas, mais longas e demoraram mais tempo até uma recuperação. O coronavírus foi parte da estratégia para dar um fôlego adicional a esse mercado especulativo, já que muitas ações de tecnologia de ponta estão no seu máximo agora.

Quem se beneficiou?

Os grandes bilionários tiveram crescimento impressionante do patrimônio declarado em 2020, evidenciando que a “crise sanitária” não foi para eles. Pelo contrário, foi a favor deles e ao que parece, promovida por eles. É o famoso cui bono? Quer saber quem está por trás de algo, observe quem se beneficia dele. Os grandes capitalistas gostaram tanto da crise sanitária que a imprensa não para de falar que haverá outras, até piores, e que as medidas restritivas contra a população deverão continuar, independente de vacina etc.

20 de fevereiro não foi apenas a semana em que “coincidentemente” o Coronavírus explodiu nas notícias internacionais e o mercado de ações despencou. Também foi a semana em que chegou no Leste Europeu a operação militar Defender Europe. É uma das duas grandes manobras militares que estavam previstas para acontecer entre 2020 e 2021. A outra se chama Defender Pacific, e acontece próxima ao sul da China. Não por acaso, no final de 2019, os EUA declararam Rússia e China, os dois vizinhos dessas operações, como “assuntos de segurança nacional”, “ameaças existenciais aos EUA, no longo prazo”. A Defender Europe é o maior exercício militar dos últimos 25 anos.

Uma desaceleração econômica mundial – como a que observamos desde 2008 – gera pressões entre os países capitalistas. Os EUA e seus grandes aliados Europeus têm perdido participação no mercado internacional, principalmente para a China. Como consequência, também têm perdido sua capacidade de influência global. A mais grave de todas, no Oriente Médio. Isso é extremamente preocupante aos EUA pois, se não forem capazes de controlar o comércio de petróleo, seu Dólar perde valor e este país se verá com uma dívida pública impagável, que explodiu nos últimos 10 anos, pulando de cerca de 60% para mais de 100% do PIB. A insolvência dessa dívida pode ter consequências desastrosas.

O imperialismo contra a China

Os países imperialistas sabem que não poderão permitir um avanço da China para dentro de mercados hoje dominados por eles. Entretanto, a China também sabe que precisa avançar para manter sua economia interna sob controle. A desaceleração econômica de que falamos também está pressionando os salários chineses para baixo. E estes salários já são muito baixos. A única maneira de contornar esta situação é tentar controlar mais diretamente as fontes de matéria-prima internacionais, tentar expandir fábricas para países onde a mão-de-obra é ainda mais barata, e entrar em mercados ricos que comprem seus produtos.

Mas os imperialistas não assistem a isso de braços cruzados. Por enquanto, a guerra entre EUA e China tem sido através de embargos comerciais. Por exemplo, as duas empresas mais importantes de tecnologia chinesas, Huawei e Xiaomi, estão proibidas de entrar no mercado norte-americano. No ano passado, a diretora financeira da Huawei havia sido presa quando fazia escala num aeroporto canadense. Com a evolução dessas animosidades, a guerra comercial pode evoluir para uma guerra militar. EUA e China têm se preparado para isso.

Mas uma guerra também cria instabilidade interna e manter a oposição popular sob controle é fundamental. Por isso é necessário impor medidas repressivas, multas, censuras, confinamentos, prisões, vigilância e espionagem. Tudo isso, por enquanto, é sob o pretexto da pandemia. Mas as organizações populares já deveriam saber muito bem que tais precedentes repressivos criados pela burguesia costumam permanecer, mesmo depois que o pretexto vá embora. Não tenhamos dúvida. No caso de envolvimento dos países em guerras internacionais, todos esses expedientes repressivos serão aplicados com violência sobre as populações domésticas também.

O novo Coronavírus tem sido bastante conveniente para os interesses geopolíticos imperialistas. Como falamos, ainda que cortem da própria carne, para eles vale a pena, se conseguirem estabelecer um corte ainda maior nos países que buscam dominar. Esse controle passa pela criação de caos e instabilidade nos povos explorados, e a crise sanitária é um ótimo elemento para aumentar esse caos. Ela fortalece os rachas entre setores políticos de cada país e favorece a aplicação de uma máxima clássica da arte da guerra: dividir para conquistar.

O imperialismo e a guerra fria tornando-se quente

Além da propaganda de medo como forma de aumentar a instabilidade política, o fechamento de inúmeras atividades econômicas ligadas ao consumo de combustível fez com que caíssem os preços internacionais do petróleo. Isso gera mais dificuldade para países dependentes deste produto. Um deles foi o Irã, que resiste bravamente ao controle norte-americano, mas já sofreu um bombardeio em agosto.

O Líbano também teve sua capital destruída por uma explosão equivalente a uma pequena bomba nuclear, ouvida a 240 km de distância. A explosão foi rapidamente comemorada por setores da extrema-direita israelense e, dois dias depois, a França já havia enviado uma “campanha humanitária” para lá. Iniciaram suas tradicionais investigações contra o Hezbollah para investigar culpados pela explosão. Em menos de uma semana, conseguiram fazer os parlamentares e o governo executivo central libanês renunciar em massa e o país voltou a ser uma semicolônia francesa. Talvez isso ajude a França a recuperar sua recessão, que atingiu 14% do PIB. Sem um governo nacional, o Líbano se torna muito mais vulnerável à ocupação israelense. Esta região é fundamental para manutenção do controle geopolítico dos EUA e seus aliados sobre o petróleo do Oriente Médio.

No Brasil, a “crise sanitária” ajudou na ocupação capitalista, predatória, da Amazônia e do Pantanal. O avanço do latifúndio sobre o Interior brasileiro tem aumentado drasticamente nos últimos anos. A expulsão de pequenos produtores, amparada por medidas judiciárias de reintegração de posse, não parou, evidenciando quais são as “atividades essenciais” para a burguesia. E conforme as associações populares, sindicatos rurais, órgãos de fiscalização, se desmobilizaram, ficaram em casa, atendendo de maneira subserviente às restrições sanitárias, facilitaram uma das maneiras mais rápidas de expulsar as pequenas comunidades do interior, que é atear fogo na mata.

O pequeno produtor familiar é um elemento importantíssimo de manutenção da integridade do território nacional e da conservação ambiental, pois ele depende da terra para sua sobrevivência direta. Sem aquele pequeno lote, ele não tem para onde ir. Por isso, costuma estabelecer com ela uma relação mais sustentável. Enquanto isso, o grande produtor age como um parasita. Esgota os recursos da terra da maneira mais rápida possível e parte para novas áreas. A existência de comunidades familiares nessas áreas acaba sendo um entrave para o avanço rápido da atividade do grande capitalista. A mata queimada é uma forma de expulsar o pequeno agricultor ou impedir a sua chegada. Não é à toa que o mesmo governo francês humanitário que agora controla o Líbano apareceu com seu discurso demagógico em favor da “internacionalização” da Amazônia.

A “esquerda” consentida em apoio ao Governo Bolsonaro

A burguesia só foi autorizada a surfar esta onda com o beneplácito das organizações de esquerda mais tradicionais, que se comportaram da maneira mais cooperativa possível, sob o manto de estarem sendo “responsáveis”. Não há mistério em entender por que isso aconteceu. Embora a análise se concentre no Brasil, ela carrega muitas semelhanças com uma tendência que tem sido mundial.

Aqui, tem sido notória a maneira como os partidos de esquerda se retiram da luta popular a partir do golpe de 2016. O ataque às lideranças foi de fato muito duro, fazendo muitas se adaptarem ao sistema e se dedicarem de maneira comportada a fazer campanha eleitoral. Derrota após derrota, num sistema eleitoral absolutamente controlado pela classe dominante, adotaram o lema permanente de “na próxima eleição vamos dar o troco.”

Há vários motivos pelos quais estes setores burocráticos se beneficiam de um “fica em casa”. Afinal de conta, seu salário está garantido. Normalmente são parte da administração estatal. À diferença dos trabalhadores – propriamente ditos – do setor público, a burocracia estatal não é a que primeiro sofre com cortes e atrasos de salário. Com todos em casa, suas repartições fechadas, há um bom pretexto para não ter que ajudar a convocar uma greve, não ter que dar sequência a demandas do povo que bate à porta, não ter que se expor em assembleias etc. Para boa parte da burocracia estatal, que vive com salário confortável, os confinamentos intermináveis são quase como férias prolongadas.

É claro que estes setores precisam garantir seus cargos e para seus aliados, então a atividade eleitoreira não pode parar. E como fazer isso, pensam esses espertalhões? Uma vez que seu objetivo é se manter dentro do sistema, e não transformar o sistema, eles não tem nada a propor. Se resumem a brigar com outros que possam tirar suas vagas. Por isso a campanha da forma mais histérica possível, tentando demonizar os concorrentes. E o setor que mais cresceu e o mais fácil de ser atingido no poder público é aquele diretamente ligado a Bolsonaro.

A demonização a Bolsonaro

Bolsonaro levou consigo também muitos políticos novos, que tomaram o lugar de setores mais tradicionais, tanto do centro, da direita e da esquerda. Não é à toa que, mesmo candidatos direitistas tradicionais se aliaram à campanha bolsonarista na reta final das eleições regionais para conseguirem vencer.

Os perdedores querem seus cargos de volta. Por isso a demonização a Bolsonaro precisa ser de um nível histérico. Bolsonaro representa todo o mal. Tudo o que não for ele, é bom. Esse basicamente é o mote da propaganda oposicionista, que faz com que as lideranças eleitoreiras da esquerda, “espertalhonas”, passem a se aliar com os mesmos golpistas de sempre, os mesmos golpistas que, na primeira oportunidade, irão lhes apunhalar pelas costas. E após os apunhalarem, darão continuidade às “reformas” golpistas que já conhecemos, que empobrecem e oprimem a classe trabalhadora.

A campanha de demonização histérica a Bolsonaro era um fracasso anunciado, mas os craqueiros eleitorais da oposição só tinham isso a oferecer, mostrando como a burocracia que comanda a esquerda tradicional está em permanente crise. Em nome de que “todas as vidas importam”, fortaleceram a ideia de que era proibido discutir as consequências econômicas desastrosas do confinamento da população. Com o tempo tudo começou a ficar claro, para quem tem olhos de ver. Eles realmente queriam um colapso econômico. Os mesmos que diziam que não era para se preocupar com a economia, no início da pandemia, passaram a falar na recessão econômica durante a campanha eleitoral.

Houve até setores “esclarecidos”, ultraesquerdistas, que tentaram mostrar os confinamentos como uma “greve mundial”, ignorando as diferenças gritantes entre uma empresa fechada pelos patrões e uma empresa fechada e ocupada pelos trabalhadores. Ignorando o cenário mundial recente onde os sindicatos têm tido cada vez mais dificuldade para chamar grandes greves. Mas seu discurso seduziu até organizações pequenas do lumpemproletariado, de viés anarquista, que viam com bons olhos a quebradeira dos negócios, sem perceber que se tratava de uma quebradeira de pequenos mercados, o que favorecia a dominação dos monopólios. A luta revolucionária não é para quebrar empresas, é para que a classe trabalhadora controle as empresas.

A mesma estratégia oportunista foi vista com respeito ao contador de mortes permanente que a imprensa martela sobre a população. A oposição embarcou e fez coro com a mídia, contando mortes de Covid a cada dia, sempre as atribuindo a Bolsonaro, “o genocida”. Em sua sede eleitoreira, buscaram afirmar que os números de mortes eram maiores do que isso, estavam “subnotificados”. Se tornaram ainda mais macabros do que a imprensa corporativa, que já é terrorista por natureza.

Sua grande ação política de 2020 foi organizar distribuições de cestas básicas, o que é melhor do que nada, e parece já ter perdido força após as eleições. Pobre nenhum gosta de ficar permanentemente dependente desse tipo de situação e as organizações de esquerda precisam impulsionar essa força popular, de maneira ativa, sem se limitar a apagar os incêndios e colocar curativos sobre os ataques promovidos pela classe dominante. Enquanto a esquerda organizava cestas básicas, a direita organizava as reintegrações de posse urbana – outra “atividade essencial”. Jogar milhares de favelados nas ruas, tomando suas pequenas casas e posses. Já que o mercado imobiliário desacelerou, é preciso avançar para cima de novos terrenos.

Quem é o negacionista?

Tão alinhados que estão ao sistema, e tão determinados a falarem sempre o oposto a Bolsonaro, opositores da esquerda têm ajudado a demonizar inclusive formas de tratamento precoce e mais baratas à Covid. A simples menção de palavras como cloroquina e ivermectina são motivo para classificarem a pessoa como gado, negacionista, terraplanista, anticientífico, bolsonarista, fascista etc. Torcem o nariz para as campanhas de tratamento precoce, o que tem sido benéfico justamente aos tratamentos caros e novos. Respiradores mecânicos, hospitais de campanha (que depois de construídos viram elefantes brancos) e compras de vacina em massa por governos. São justamente os setores tecnológicos de ponta da indústria médica que se opõem aos tratamentos precoces, baratos, com remédios cujas patentes já venceram, genéricos, que não dão lucros.

Mas o povo trabalhador não fica em casa, na bolha de informações promovida pela mídia e pelas redes sociais. A faxineira conversa com a patroa. O entregador conversa com o fornecedor. O funcionário fala com o dono da loja. Enquanto seu vizinho pobre foi no posto de saúde com sintomas leves, mandado de volta para casa, para depois voltar em estado mais grave, sendo entubado na UTI, a esposa do patrão foi atendida precocemente no particular, onde lhe receitaram cloroquina, ivermectina e zinco, e agora está totalmente recuperada. Quando vê relatos como esse e compara com a propaganda desesperada da esquerda, o trabalhador acaba concluindo que esta não tem nada a lhe oferecer.

Esses craqueiros eleitorais da esquerda se esquecem que não é preciso exagerar quando falamos das catástrofes promovidas pela burguesia. Que Bolsonaro é um fascista, não há dúvidas. Mas o critério de atribuir a ele todas as mortes de Covid do Brasil, e mais um número infinito de supostas subnotificações, não convence uma criança de 12 anos. O povo olha na TV que a Covid está espalhada pelo Mundo, que a taxa de mortalidade é equivalente em todos os lugares, que as medidas sanitárias dependem de tantas outras forças políticas, e não cai nessa conversa de que tudo é culpa de Bolsonaro. Com esse tipo de campanha histérica é a esquerda que sai desacreditada.

O resultado da eleição de 2020 mostrou isso, mas parece não ser suficiente para mudarem de estratégia. Além disso, se alinhando comportadamente à classe dominante nacional, os partidos da esquerda acabam virando os bodes expiatórios de outra campanha histérica. A extrema-direita, embora não esteja tão histérica a respeito da pandemia, também tem suas histerias quando se fala em comunismo. Para ela, a Covid é culpa dos socialistas. Uma conspiração dos “comunistas chineses e russos”. Curiosamente não conecta o fato de que essa conspiração “comunista” começou justamente depois de a extrema-direita anticomunista ter crescimento e se fortalecido nos parlamentos e governos em todos os países ocidentais, e depois de anos nos quais os partidos “vermelhos” acumulam derrota atrás de derrota.

A extrema-direita tem uma representação importante de setores da classe média, que viram seus negócios afetados pelas medidas sanitárias e não estão gostando disso. Além do mais, é uma classe média que não está muito acostumada a perder direitos básicos, como o direito de circular na rua do jeito que quiser, a hora que quiser, ir a festas e eventos culturais, praticar esportes. Ser obrigado a usar máscara é, para esta classe, uma surpresa. Sua condição de vida faz com que não dependam do Estado mas, por outro lado, observem que o Estado não cumpre suas obrigações básicas. Estes setores odeiam a intervenção estatal, muito mais sobre seus próprios corpos. Muitos são fortemente religiosos, para os quais o corpo tem uma dimensão ainda mais sagrada e inviolável. Eles diferem bastante do operário pobre, que não tem tempo nem dinheiro para as atividades de lazer que permanecem fechadas, que se tiver que tomar vacina, tudo bem, pois “de graça, até injeção na testa”, e para quem máscaras obrigatórias são um pequeno detalhe a mais dentro de uma rotina já desgastante e cheia de imposições.

Ditaduras fascistas

Tudo isso faz com que o setor ligado a Bolsonaro – justamente o setor que tem sido mais radical em golpear as organizações de esquerda – acabe se apropriando do discurso “anti-sistêmico”. São exatamente os bolsonaristas que agora se apropriaram do discurso em favor dos direitos universais. São eles que advogam que a vacina deve ser opcional. São eles que contestam as censuras impostas pelas grandes redes sociais na internet. São eles que reclamam pelo direito de ir e vir e de manter uma atividade econômica.

São eles que criticam a vigilância e falta de privacidade atacadas em nome de “rastrear infectados” e “denunciar aglomerações”. Enquanto isso a esquerda embarca numa brincadeira perigosa de se aliar à grande burguesia e dar força para as medidas repressivas que avançam com a pandemia.

Este cenário já foi visto no passado e sempre descambou em ditaduras fascistas. O exemplo mais clássico foi o alemão. Não vamos esquecer que os nazistas cresceram e chegaram ao poder com um discurso anti-sistêmico, inclusive criticando “banqueiros gananciosos” de maneira genérica, aproveitando a crise econômica que o país atravessava. Enquanto isso, a maior parte da esquerda se aliava à direita alemã tradicional, a mesma que ajudou Hitler a subir ao poder. Toda o discurso anti-sistêmico nazista se mostrou o que era: uma demagogia. Ao assumir a presidência, o governo nazista operou reformas tipicamente neoliberais, proibindo a livre sindicalização e as greves, congelando salários e acabando com negociações coletivas, culminando no trabalho escravo de aproximadamente 5 milhões de trabalhadores em campos de concentração. Além disso, reprivatizou empresas que haviam sido estatizadas na década anterior, e privatizou estatais tradicionais.

Em síntese

Já com um ano de “crise sanitária”, está claro que:

(1) A burguesia não tem capacidade, nem interesse de trabalhar pela saúde do povo. Seus esforços são apenas na direção de aumentarem a própria dominação sobre a sociedade. Ela lucrou muito com a pandemia e tem todos os motivos para estimular novas “ondas” e novas doenças, como inclusive a imprensa vem eventualmente sinalizando.

(2) As burocracias que comandam partidos e sindicatos têm se pautado pela inércia de ação e, quando se movem, é na direção de fazer alianças com a classe política dominante tradicional. Não confiam na classe trabalhadora e, quando incitados à ação, sempre respondem que “ainda não é o momento”.

(3) Este contexto favorece o crescimento da extrema-direita. Por mais que se fortaleçam através de um discurso contestatório, se capitalizando politicamente de momentos de crise econômica, ao chegar no poder, eles passam a se comportar como uma nova burguesia, e dão continuidade aos mecanismos tradicionais de exploração capitalista.

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