“Boulos abriu uma brecha no futuro da ‘esquerda’”?
Crítica de Gazeta Revolucionária à análise das eleições municipais 2020 realizada por Valério Arcary, dirigente nacional do PSOL.

“Boulos abriu uma brecha no futuro da ‘esquerda’”?

1) Valério Arcary (VA): “É desconcertante que algumas pessoas não valorizem este combate, argumentando que não é revolucionário o suficiente”.

Gazeta Revolucionária (GR): Não se trata de um problema quantitativo, senão de uma manobra da burguesia, coordenada pelo imperialismo.

Essa “esquerda” defende as bandeiras da direita.

Nas eleições, Boulos praticamente nada defendeu as bandeiras de esquerda, a não ser demagogia e alguns programas sociais menores.

Ele também não questionou nada sobre os problemas estruturais.

Nada sobre pelo menos uma auditoria nas contas da Prefeitura de São Paulo.

Nada sobre a concessão de títulos à população pobre.

Ele chegou a dizer que a Polícia Municipal devia ser fortalecida.

Ele passou a receber apoio oficial e por escrito até de especuladores financeiros

2) VA: “O acúmulo de derrotas e o isolamento contaminaram com o sectarismo a mentalidade de uma parcela da esquerda radical brasileira”.

GR: O problema seria o sectarismo ou a obscena direitização dessa dita “esquerda” que desde 2016 se tornou um fura-greve e protestos de qualquer tipo?

Nada fez em relação ao verdadeiro massacre promovido pelos governos Temer e Bolsonaro.

3) VA: “A candidatura de Boulos e Erundina abriu uma lacuna no futuro da esquerda. Já conseguiu deslocar a relação de forças entre os partidos da superestrutura paulista. A extrema direita ficou de fora e uma candidatura socialista disputa as eleições com possibilidade de vitória no segundo turno”.

GR: No Brasil, houve uma espécie de espelho da eleição nos Estados Unidos. Até o identitarismo e a teoria das opressões foram imitados.

Trump e Bolsonaro foram derrotados. Mas quem entrou é ainda pior; são senhores da guerra diretamente ligados aos setores capitalistas que mais precisam de uma grande guerra.

No novo governo dos Estados Unidos, há muitas mulheres e negros; mas são ainda mais belicistas na prática, que os anteriores.

No Brasil, a centro-direita que venceu alinha-se com o Partido Democrata e é diferente da direita que foi parcialmente atingida pela Operação Lava Jato.

4) VA: “Não acho exagero dizer que esta vitória política veio para ficar, seja qual for o resultado das eleições de domingo. Estar em São Paulo traz consigo o perigo da famosa ilusão de ótica paulista-cêntrica. Outras lutas acontecerão neste segundo turno em outras cidades, como Porto Alegre, Recife, Vitória e Belém. Todos elas são importantes para o futuro da esquerda. “

GR: O objetivo do imperialismo é formar um novo MDB, o partido consentido pela Ditadura Militar. Por isso atinge os tradicionais caciques (por mais direitistas que sejam), como Lula, Ciro Gomes e Flavio Dino, e incentiva os jovens identitários, porque muito mais fáceis de controlar.

5) VA: “Uma Frente de Esquerda em torno do PT, PSOL e PCdoB será decisiva para promover uma campanha de mobilização de massas com a palavra de ordem Fora Bolsonaro em 2021. A conquista das prefeituras será um ponto de apoio decisivo. As Diretas Já! dependiam do impulso dos governos de Montoro em São Paulo, Brizola no Rio de Janeiro e Tancredo em Minas Gerais, em 1984. O Fora Collor! contava com a campanha em favor da ética na política, iniciada por Erundina em 1992. “

GR: A Frente de Esquerda representa uma política abertamente de direita que nas eleições municipais foi aplicada no Ceará / Fortaleza, onde até o DEM (continuação do PFL, que fazia parte da Arena, o partido da Ditadura) participou para derrotar o candidato Bolsonarista.

Tasso Jereissati (um dos chefes do PSDB), dono de um dos mais importantes conglomerados econômicos do país e inimigo histórico dos trabalhadores, também estava com Sarto.

O grupo de Valério Arcary, supostamente para “lutar contra a direita” nas eleições, chamou a votar em candidatos reacionários da burguesia neoliberal! Seria “a civilização contra a barbárie”. O Grupo de Resistência (PSOL) apoiou o candidato da reacionária Oligarquia Gomes, José Sarto (PDT) no segundo turno em Fortaleza, alegando que se tratava de “derrotar o fascismo” nessas eleições municipais.

“Há também a situação de Fortaleza, onde o candidato do PDT (Sarto) luta contra o capitão Wagner, apoiado pelo Bolsonaro. Não há dúvida de que a esquerda deve se unificar convocando o voto em Sarto contra o candidato da extrema direita. No Rio de Janeiro, a situação é mais complicada, já que o adversário de Crivella é Eduardo Paes, de direita neoliberal. Mas, mesmo no Rio, o voto deve ser classificado para lutar contra o bolonarismo. O principal, por enquanto, é impor uma derrota a Crivella ”. (Esquerda OnLine, Segundo turno decisivo da esquerda brasileira).

O pior é que essa “esquerda” apoiou a direita e levantou a política de direita, jogando fora qualquer política semelhante com algo de interesse para os trabalhadores e as massas.

6) VA: “Essa transformação nesta cidade, que é o centro da dominação capitalista do país, só foi possível porque uma oscilação das relações de poder entre as classes vinha se desenvolvendo anteriormente nas grandes cidades, o que fez com que a maioria se voltasse para o oposição ao Bolsonaro. Mas não foi mágico. Não foi improvisado. Não é uma contingência eleitoral. A oportunidade poderia ter sido perdida. Foi explorado porque uma alternativa foi construída ao longo de muitos anos –desde 2013– em torno de um projeto, uma estratégia e uma aposta. Tudo isso está reposicionando o PSOL como a organização mais forte da esquerda e isso faz com que as perspectivas sejam diferentes. Boulos sairá de 2020 muito mais forte do que antes.”

GR: Sim. Mas não vamos esquecer que Boulos perdeu por mais de 20% dos votos. Manuela D’Ávila (PCdoB, Porto Alegre) saiu na frente nas pesquisas e perdeu por 10%.

O mesmo aconteceu em Recife com o candidato do PT.

O PT não venceu em nenhuma capital, mas venceu em duas grandes cidades de Minas Gerais. Quem ganhou? Dois militantes da ala direita do PT, que agora controla o PT, a Mensagem ao Partido, liderada por direitistas como José Eduardo Cardoso, Paulo Pimenta, Wadih Damous, Fernando Haddad, Aloysio Mercante e Tarso Genro.

E por que isso aconteceu assim? Porque essas eleições foram hiper fraudulentas. Foram usados vários mecanismos, incluindo a fraude da urna eletrônica. Muito parecidos com o que foi feito em 2018, quando o bolsonarismo foi imposto por meio da maior fraude eleitoral desde 1926. O Brasil é o único país do mundo onde não há possibilidade de auditoria porque não há impressão de voto.

7) VA: “O mais importante é que isso significa, em termos dialéticos, que o deslocamento favorável na relação entre as partes afeta também a estrutura da sociedade, ou seja, a percepção que as classes têm seu lugar. A maior dificuldade que tivemos que resistir ao Bolsonaro foi a falta de confiança do povo em si mesmo. A luta política é uma luta de ideias e propostas, mas é também uma luta pela psicologia social das massas, pela subjetividade dos trabalhadores, pela consciência das massas oprimidas. A possibilidade de transformação da vida começa apenas quando a cabeça das pessoas começa a mudar.”

GR: O bolsonarismo saiu muito enfraquecido. Mas a direita que ganhou está mais alinhada com o novo governo norte-americano de Biden/ Kamala.

Portanto, é muito mais perigoso. Além disso, as capitais passam a ser controladas pela direita que atuará junto com o Governo Bolsonaro (do qual Jair Bolsonaro é a cara semi folclórica) e os governadores para massacrar o Brasil, em benefício dos grandes capitalistas. E o farão de forma acelerada com a “legitimidade” conferida pela “legalização” do processo eleitoral pela “esquerda”.

8) VA: “A candidatura de Boulos conseguiu conquistar a maioria da classe trabalhadora da cidade de São Paulo. É espetacular e fácil verificar essa conclusão. Boulos tem maioria absoluta entre os jovens de 16 a 24 anos, mas geralmente entre pessoas de até 35 anos. É maioria entre os assalariados com Carteira de Trabalho, entre os negros, entre os desempregados e entre os funcionários públicos. É uma vitória emocionante contra a burguesia e seus representantes. Quem está da esquerda e não entende o significado dessa reviravolta, não está pensando com clareza. Dois anos após a eleição de Bolsonaro, enfrentamos um feito extraordinário”.

GR: No primeiro turno, Boulos venceu principalmente nos bairros de classe média alta. No segundo turno, ele venceu nos subúrbios da Zona Sul de San Pablo, o que seria importante se ele tivesse algo a oferecer à população pobre.

9) VA: “Entender a magnitude dessas mudanças, que por enquanto são apenas quantitativas e não qualitativas, será mais fácil no próximo período. As eleições também são uma luta de classes. A disputa social e política não é interrompida. Boulos fortaleceu-se com o profundo impacto da comoção produzida pelo repúdio popular ao assassinato de João Alberto. Mas, dado o peso que a mídia ainda tem hoje, a igualdade de acesso à publicidade também deve ser considerada. ”

GR: “o choque causado pela rejeição popular ao assassinato de João Alberto” é um fato. Ao mesmo tempo, os contínuos elogios de Boulos a Bruno Covas, o candidato da direita (PSDB), e a coincidência em muitas das propostas apresentadas publicamente e propagandeadas pela grande imprensa de direita, descaracterizaram essas diferenças.

Era a diferenciação de quem estava mais bem preparado para administrar a Cidade de São Paulo diante da pressão do imperialismo e do Governo Federal para privatizar tudo, entregar o orçamento público aos especuladores financeiros, dispensar o funcionalismo, acabar com a educação e a saúde pública, e políticas semelhantes.

10) VA: “Milhões de jovens, mulheres e negros, desempregados e trabalhadores se inspiram em Boulos e Erundina e começam a pensar: temos mesmo que viver assim? Semear esperança é acender a imaginação de que outra cidade é possível. Uma cidade em que as aspirações, desejos e vontades de cada pessoa se juntem a um movimento coletivo para defender que a vida vale mais do que o lucro, os interesses da maioria em vez do privilégio de poucos e o público em vez do privado. Quando valores como a solidariedade são defendidos sobre a ganância, a justiça sobre o lucro, devemos entender que estamos mobilizando uma consciência de classe. Na linguagem marxista, isso é pedagogia de classe. Quando as pessoas começam a acreditar que algo é possível, tudo é possível. “

GR: Essas declarações são em grande parte puro ilusionismo. Desde 2016, as lideranças de movimentos sociais, sindicatos e partidos políticos paralisaram todas as lutas. Eles procuram canalizar tudo para as eleições enquanto a situação dos trabalhadores piorava muito.

O abstencionismo, também considerando votos nulos e brancos, era de 55% no Rio de Janeiro e 45% em São Paulo. Cerca de 40% nas demais capitais e mais de 35% no geral. Um registro histórico que reflete o aumento do descontentamento social.

11) VA: “É desconcertante que esse combate seja desvalorizado porque supostamente não é revolucionário o suficiente. O acúmulo de derrotas e o isolamento contaminaram com o sectarismo a mentalidade de uma parcela da esquerda radical brasileira. A revolução não acontecerá de repente porque um punhado de pessoas que se sacrificam gritam “Revolução agora!”, “Greve geral” e “Abaixo o poder agora!” Esses são os gritos de guerra eternos do anarquismo, não importa qual seja o equilíbrio de forças em uma situação política.

Há até quem se consola em argumentar que o programa de campanha do PSOL nem mesmo mereceria ser classificado como reformista. Essa crítica não é séria. O programa de Boulos e Erundina defende propostas de reforma tão amplas que tenham uma dinâmica de transição: questionam tudo e, portanto, são furiosamente atacadas por reacionários que dizem que não são possíveis. Mas o mais perturbador é que a controvérsia entre reformistas e revolucionários de esquerda nunca girou em torno da necessidade de defender essas reformas. “

GR: Não adianta escrever um determinado programa e mantê-lo em uma gaveta. E, pior ainda, em todas as declarações públicas em defesa de políticas de direita na tentativa de se mostrar como um político (burguês) responsável e confiável da burguesia e do imperialismo.

O partido de Boulos (PSOL) é controlado por um grupo de parlamentares. O mais importante deles é Marcelo Freixo (Rio de Janeiro). Um dos candidatos a Freixo recebeu doação de Armínio Fraga, ex-presidente do Banco Central de Fernando Henrique Cardoso e ligado à especulação financeira. Quando sofreu sérias críticas por isso, ameaçou deixar o Partido; e ficou por isso mesmo.

12) VA: “Os marxistas revolucionários nunca opuseram a luta pelas reformas à luta pelas revoluções. Eles argumentaram que a luta pelas reformas, quando conquista o coração de milhões, abre o caminho para a revolução. Porque é a própria experiência prática da vida que deve tirar as pessoas de seus hábitos confortáveis, de seus hábitos resignados e das rotinas alienantes de uma existência frustrada. “

GR: Não rejeitamos categoricamente a política do PSOL e dos demais partidos da “esquerda” oficial por serem “reformistas”. Rejeitamos porque foram totalmente incorporado ao desenvolvimento do golpe no Brasil. Porque não defendem, na prática, nenhuma reforma em benefício do povo. Eles defendem a “governabilidade” em benefício dos abutres capitalistas, com o massacre crescente e acelerada do Brasil.

13) VA: “Boulos é um lutador social de esquerda. Ganhou a vaga de representante da esquerda em São Paulo porque vem das lutas de rua. É porta-voz do MTST, que liderou dezenas de milhões de pessoas em todas as manifestações por causas justas. Tem uma legitimidade indiscutível. Esta campanha foi apenas o começo.”

GR: Verdade, embora deva ser dito que Boulos era um lutador social. Tanto a liderança do MTST (Movimento dos Trabalhadores Sem Teto) quanto as demais lideranças políticas, sindicais e de movimentos sociais abandonaram todas as lutas desde 2016 enquanto o Brasil é massacrado.

As reformas Trabalhista da Previdência Social foram aprovadas sem nenhum protesto.

Leis super reacionárias estão sendo aprovadas para expandir a Lei Antiterror e controlar a Internet com mão de ferro com a total cumplicidade de todos os partidos dessa “esquerda” oficial.

O PCdoB de Manuela D’Ávila votou a favor da entrega da Base de Satélites de Alcântara aos Estados Unidos! E não foi exceção; as atrocidades abundam!

O mero fato de que houve apenas duas greves nacionais contra o governo Bolsonaro diz muito. Ainda mais quando essas duas greves aconteceram nos Correios (categoria nacional que tem mais de 100 mil trabalhadores concursados e igual número de terceirizados) promovidas pela Gazeta Revolucionaria que não controla nenhum dos 36 sindicatos, 2 federações e uma associação que há para um único patrão e que a máfia sindical e a “esquerda” oficial acha normal. E o fez em uma luta hercúlea contra a Empresa, o governo Bolsonaro e todos os partidos políticos e setores das direções sindicais mafiosas.

Não por acaso, todos os partidos políticos dessa “esquerda” oficial, e a maioria dos parlamentares, que integram a Frente Parlamentar em defesa dos Correios, assinaram a PEC (Proposta de Emenda Constitucional) 149 que privatiza os Correios!

14) VA: “O ano de 2021 será a hora do confronto com os neofascistas, a maior missão na vida da geração veterana da esquerda brasileira. Uma crise econômica com altos níveis de desemprego nos espera, os desafios colocados pela pandemia e a probabilidade de novos choques causados ​​pelo aquecimento global. ”

GR: É a confissão da “esquerda” oficial, que hoje atua em consonância com o governo Bolsonaro para massacrar o Brasil, que sua política é a da “frente ampla” com a direita contra o bolsonarismo, que agora está muito enfraquecido.

O “pequeno problema” é que esse direita é composto principalmente pelas marionetes que atuam diretamente a serviço do Partido Democrata e do novo governo dos Estados Unidos.

É preciso reconstruir a verdadeira esquerda revolucionária e anti-imperialista a partir da demarcação de campos com a direita e seus agentes.

As bandeiras da luta revolucionária devem ser erguidas bem alto na teoria e na prática.

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