As várias análises sobre o recente golpe de estado militar em Myanmar têm se caraterizado pela quase absoluta superficialidade. Com a exceção dos dados colocados, há uma carência enorme de contextualização da etapa política e do significado deste acontecimento.
A matéria de Pepe Escobar contém vários elementos centrais que pontuamos e os colocamos em perspectiva em cima do aprofundamento da crise capitalista mundial. https://www.strategic-culture.org/news/2021/02/05/burmese-days-revisited/
- O golpe militar pinochetista em Myanmar (ex Birmânia) foi impulsionado pelo Governo da China. Quem o operou são os mesmos militares genocidas que têm governado Myanmar desde a década de 1960 com apenas seis anos de interrupção na década de 1980. O mesmo estilo de golpe ao estilo CIA de 1962.
- O Exército controla setores muito importantes da economia, em boa medida com negócios com os chineses. Outro dos importantes negócios é o tráfico do ópio, que agora poderá aumentar em direção à China, a Índia, Vietnam e Laos, principalmente a partir das províncias de Kachin e Yunnan.
- Os principais objetivos da China em Myanmar são: o Novo Caminho da Seda, os recursos minerais e energéticos e teleguiar o governo de Myanmar em benefício dos interesses chineses na ASEAN. O Porto de Kyaukphyu, no Golfo de Bengala, implica no acesso ao Oceano Índico, o que coloca a China em rota de colisão com a Índia e explica a escalada das contradições entre os dois países, a aproximação da Índia do imperialismo norte-americano, e ainda mais, a escalada dos ventos de guerra.
- China quer resultados em favor dos seus interesses. Apenas três semanas antes do golpe, foram assinados vários acordos com o governo deposto. Mas o governo do NLD, encabeçado por Aung San Suu Kyi, que evidentemente mantém vínculos com o MI-5 e a CIA, venceu de lavada (83% dos votos) as eleições parlamentares de novembro. Este fato colocava em cheque o controle pelos generais dos ministérios da Defesa, do Interior e 25% das vagas do Parlamento.
- O golpe vinha sendo preparado havia mais de um ano, com a decretação do “estado de emergência” e a escalada da guerra contra os grupos separatistas, principalmente em Karen e os Rohingya. Há 135 nacionalidades. Vários desses grupos também contam com o apoio dos chineses, principalmente em Kachin, numa clássica política em pinça para favorecer as negociações e o controle dos generais pinochetistas. Aung San Suu Kyi apoiou os militares nessa política.
- O governo golpista de Myanmar, apoiado pelo governo chinês, faz fronteira com o governo golpista de Tailândia apoiado pelo imperialismo norte-americano. O papel de Myanmar na ASEAN e no diálogo China-ASEAN deverá continuar normalmente até por causa da política dos membros do bloco de não intervenção nos assuntos dos demais membros; na prática, há vários desses países onde as ditaduras abertas têm predominado.
- A política da China no sentido de dedicar-se a favorecer os próprios interesses com todo tipo de alianças espúrias, data da segunda metade da década de 1960, em plena Revolução Cultural maoísta. Teve como base a crise da economia e a derrota de várias revoluções e o massacre de vários partidos maoístas, principalmente em Malásia, Tailândia, Filipinas, Myanmar e Indonésia.
Em Indonésia, o maior partido comunista do mundo fora do poder, apoiado principalmente pelo Partido Comunista e o governo da China levava a cabo uma aliança com os setores nacionalistas liderados por Sukarno e em boa medida era direcionado pelos chineses mais que pelos russos, com fortes ilusões na “via pacífica ao socialismo”; em 1965 um golpe militar liderado pelo general Suharto, apoiado pelo imperialismo norte-americano assassinou entre 500 mil e um milhão de pessoas em semanas, e abriu passo à invasão do Vietnam.
A política do governo chinês avançou nesse sentido contrarrevolucionário com a visita de Richard Nixon a Pequim em plena escalada da guerra do Vietnam, em fevereiro de 1972, e foi à loucura com Deng Xiaoping, principalmente depois de 1992. A partir daí, o governo chinês tem apoiado todo tipo de genocidas (como Mobuto ou o ditador do Sudão Omar Bashir, por exemplo), mas esta é a primeira vez que promove um golpe de estado militar pinochetista. - O principal motivo se relaciona com a escalada das contradições com o imperialismo norte-americano em cima do aprofundamento da crise capitalista mundial e o aumento da pressão exercida pelo novo governo norte-americano dos “senhores da guerra”. Não se trata de um problema moral, do “bem contra o mal”, mas da disputa pelo controle do mercado mundial. Até agora, nenhuma importante divisão do mercado mundial aconteceu a não ser por meio de sangrentas guerras. E no caso das duas guerras mundiais havia uma importante potência (Alemanha) que estava superando em termos de desenvolvimento às duas maiores potências europeias (França e Inglaterra) que já tinham entrado na fase de acelerado declínio.
- Qual é o impacto do golpe pinochetista em Myanmar sobre o Brasil e a América Latina?
Conforme a crise capitalista mundial se aprofunda, as grandes potências se veem obrigadas a adotar todo tipo de políticas para salvar os privilégios, e principalmente disputar o controle do mercado mundial.
O imperialismo norte-americano avança com particular “sadismo” (não em termos morais, mas em termos políticos) para impor ditaduras cada vez mais brutais no seu quintal traseiro, a América Latina.
Alguns setores da “esquerda” oficial propagandeiam ilusões sobre que determinadas potências ajudam ou poderiam ajudar os povos latino-americanos contra o imperialismo norte-americano, principalmente os russos e chineses. Na realidade, a China em primeiro lugar, avança rapidamente no processo de transformar-se numa potência imperialista, em aliança com o governo russo, o que a coloca em rota de colisão com as demais potências imperialistas, principalmente o imperialismo norte-americano, rumo a uma grande guerra.
O golpe pinochetista de Myanmar deixa claro, de maneira cristalina, que, quando a burguesia precisa defender seus interesses não vacilará um segundo sequer em defende-los, valendo-se para isso das políticas que forem precisas, até as mais genocidas. Os povos do mundo devem confiar nas próprias forças; as contradições entre as potências capitalistas devem ser aproveitadas, mas nunca se colocando a reboque dos interesses de qualquer burguesia, ainda mais na atual etapa de decadência brutal do sistema capitalista mundial. Esse beabá da política revolucionária e anti-imperialista foi jogado no lixo por quase tudo o que se convenciona em denominar “esquerda” e que na prática, representa o estertor da “esquerda” que se formou sob a pressão imperialista para impor o “neoliberalismo”, que levou à queda da União Soviética e que se passou com mala e cuia à “democracia imperialista”.
- O papel dos verdadeiros revolucionários e anti-imperialistas passa por agrupar os revolucionários de todos os países contra as potências imperialistas e seus agentes. Quem lutar efetivamente contra o imperialismo está no campo anti-imperialista; é condição se ne qua non que essa luta não esteja direcionada a massacrar os povos e os trabalhadores.
Os verdadeiros revolucionários e anti-imperialistas, nunca poderiam apoiar um golpe pinochetista até porque as principais medidas sempre são direcionadas contra o povo. Muito menos para defender interesses nacionais de burguesias que se encontram em processo de desenvolvimento como burguesias imperialistas; e que o fazem em cima da escalada das pressões internas e a disputa pelo controle do mercado mundial. Controle este que nunca sofreu grandes mudanças a não ser por meio de novas e grandes e sangrentas guerras.