JABUTICABA E MIRTILO

JABUTICABA E MIRTILO

por Ganga Zumba e Dandara

Vejamos dois casos:

  1. Uma pessoa, nascida da relação entre um pai italiano e uma mãe negra, que se autodenomina marxista, certa hora da vida, escolhe assumir sua identidade negra, baseada, tão somente, em um dos lados dos seus progenitores. Poderia essa pessoa assumir sua identidade europeia? Claro que sim. A Itália possibilita que brasileiros descendentes de italianos obtenham cidadania italiana. No entanto, por que esta pessoa optou pela identidade negra no lugar da europeia? Melhorando a questão, qual a necessidade que esta pessoa tem de identificar-se como negro? A pessoa nasce do cruzamento de um italiano com uma negra, e passa a identificar-se tão somente como negro, passando a ser conhecida por um epíteto que rememora uma figura estadunidense.
  2. Uma negra, filósofa, criadora e divulgadora do termo lugar de fala, resolve dar voz ao dito povo negro brasileiro. Define o termo ‘lugar de fala’ como lugar que confere uma ênfase ao lugar social ocupado pelos sujeitos numa matriz de dominação e opressão, dentro das relações de poder, que autorizam ou negam o acesso de determinados grupos a lugares de cidadania. Todavia, esta negra, que se propôs a divulgar o termo acima citado, torna-se garota propaganda do aplicativo de mobilidade 99, da Boticário, da Johnnie Walker, grava campanha sobre a ‘segurança’ das urnas eletrônicas e, como se não bastasse, torna-se a negra a emplacar uma propaganda para a famosa marca de luxo Prada, produtora de bolsas de alto padrão.

É por essas e outras, que não sabemos quando o negro brasileiro é jabuticaba ou mirtilo. Isto é, se está a serviço do oprimido brasileiro ou se é mais um algoz a serviço do imperialismo para aprofundar a exploração e opressão sobre o negro brasileiro.

Como esse nó é desfeito?

Quando qualquer um de nós, meros mortais e mistura de tudo o que o mundo gerou, nos propomos a realizar um trabalho de campo, aos moldes da observação participante. Quer dizer, ao sentarmos numa mesa de bar de esquina, nomeado muitas vezes com o apelido do próprio dono, exemplo – ‘Bar do Zé’, ‘Bar do Barriga’, ‘Bar do bigode’ entre outros, passamos a perceber que as pessoas que lá frequentam não se percebem em termos de raça, e sim pela função prática que exercem no dia a dia de suas vidas. Um deles ao ser indagado como ele se via, foi categórico ao dizer – não me vejo como negro, moreno, mulato, mas sim peão! Se eu não acordar cedo, tomo no ‘butico’.

Os trabalhadores brasileiros não se percebem enquanto raças ou participantes de um espécime. Mas sim como trabalhadores, cujo objetivo diário é a venda de sua força de trabalho para garantir o sustento da família e a cachaça do final de semana. Deste modo, percebe-se o seguinte: o quanto a teoria das raças ou a racialização da sociedade divide e subdivide os trabalhadores

A proposta de muitos coletivos e movimentos, a serviço do imperialismo, é construir a identidade do trabalhador não mais pelo trabalho, e sim por meio de alguma característica abstrata. O racismo existe? Sim. Contudo, ele é resultado das relações materiais capitalistas.

Alguns teóricos, graduados em Harvard e Cia., dizem constantemente: estamos muito distantes da periferia. As esquerdas precisam aproximar-se dos rincões das grandes capitais. Percebemos nessa fala duas coisas: 1. Que os que assim dizem não pertencem à classe trabalhadora; 2. O real objetivo desses não é a emancipação das massas populares, tão somente a continuação do paternalismo e das atitudes clientelistas através da criação de identidades abstratas. São esses que assim procedem que vivem a divulgar a teoria das raças, nada mais.

E onde reside a força dessas políticas classificadas como identitárias?

A privatização da vida social. Conforme, a privatização marcha sobre tudo o que é de caráter público, a fim de remunerar os capitais que não mais se valorizam pela produção material de bens e serviços, as políticas identitárias ganham força com o objetivo de manter a sociedade coesa em torno de um inimigo comum, que ora é apresentado pela máscara do racismo, ora do fascismo, ora da homofobia, ora da misoginia, por fora da luta de classes.

A agenda identitária não passa de um complemento à privatização acelerada do Estado e de todas as empresas e serviços públicos. Ao propagar a defesa dessas bandeiras, transfere ao indivíduo, apartado do todo e desligado de tudo aquilo que o cerca, a responsabilidade pela manutenção de sua vida. Assim, temos, nada mais nada menos, que o reforço da ideologia burguesa e a manutenção de suas ideias e privilégios de classe.

As privatizações das empresas estatais geram desemprego em massa, e faz com que o Estado perca receita para financiar os serviços públicos essenciais à população, como por exemplo: saúde, educação, atendimento social entre outros.

É por essas e outras, que a classe trabalhadora continua a tomar no butico’. Enquanto os capitalistas atacam-nos em conjunto, somos ensinado, pelas esquerdas californianas, a resistir em separado.

Uma coisa é certa – as políticas de cisão não durarão, pois a fome voltará a reunir a classe trabalhadora em torno de um único propósito – a manutenção da vida.

O ‘butico’ é jabuticaba. A política identitária é mirtilo.

* Mirtilo, fruta “azul”, conhecida também como blueberry (termo em inglês). A fruta foi introduzida no Brasil apenas na década de 1980, quando começou a ser cultivada na região sul do país. Ele é consumido e produzido em larga escala nos Estados Unidos e na Europa.* Jabuticaba é o fruto da jabuticabeira, uma árvore frutífera brasileira da família das mirtáceas, nativa da Mata Atlântica.

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