MERITOCRACIA: UMA FARSA CRIADA PARA JUSTIFICAR DESIGUALDADES

MERITOCRACIA: UMA FARSA CRIADA PARA JUSTIFICAR DESIGUALDADES

Por Ricardo Guerra 

Querem fazer as pessoas acreditarem que o conceito de meritocracia surgiu de uma ideia abstrata e universalmente justificada, alegando a existência de um padrão comum de aptidões e de inteligência que flui naturalmente em todas as pessoas – independente das circunstâncias sociais e materiais às quais elas sejam submetidas.

No entanto, quando analisamos o perfil de desigualdade reproduzido na organização das sociedades ao longo da história, fica evidente que a ideia de meritocracia não expressa exatamente um conceito, mas antes de tudo, representa uma ideologia que serve apenas para alimentar e perpetuar as desigualdades sociais e raciais existentes nas sociedades contemporâneas.

Não é possível pensar uma sociedade sem levar em conta as condições sociais que marcaram a sua construção. Negar fatos históricos e condicionantes econômicas, culturais, psicológicas e emocionais, para construir qualquer tipo de argumentação quanto às variantes intervenientes no desenvolvimento individual e coletivo das pessoas, representa muito mais que uma visão distorcida da realidade social:

  • Por um lado indica uma preocupante  falta de capacidade que grande parte das pessoas tem para observar e compreender, na totalidade, a conjuntura na qual estão inseridas. Assim, fechadas em seu próprio mundo, elas não são capazes de ter empatia por aqueles que se encontram em situação de vulnerabilidade, sequer conseguem enxergar essa condição, a ponto de até mesmo contrariarem o nível mais básico da lógica e criarem falsas percepções da realidade.
  • Por outro lado, entre aqueles que detém os mecanismos que conferem a capacidade para realizar a compreensão dessa realidade e intencionalmente não fazem, revela um grave problema de falta de honestidade intelectual.

De uma forma ou de outra, essa é uma situação que precisa ser veementemente combatida. E a realidade que não pode deixar de ser discutida é que, na verdade, a meritocracia é uma concepção ideológica criada para dar sustentação a ideologia neoliberal, promovida e disseminada principalmente a partir da década de 1980 na Inglaterra e nos EUA.  

Como sempre fazem, quando se encontram confrontados por uma situação de crise, os donos do capital transnacional recorrem às instituições políticas e ideológicas para tentar manter seus privilégios e assegurar o poder e o controle que exercem sobre a sociedade, submetendo todos às suas regras. 

Assim, no início dos anos 1970, quando houve uma redução das taxas de crescimento e lucros, subsequentes ao boom  alcançado com as políticas econômicas keynesianas do período pós-guerras, os dois países capitalistas de pior desempenho econômico na época  (os EUA e o Reino Unido) rapidamente procuraram organizar um reacionário arranjo econômico e político social para o mundo, às custas do sacrifício dos trabalhadores. 

O objetivo era alavancar os lucros, destruindo as fundamentais conquistas obtidas com o Estado de Bem-Estar Social originadas da decisiva e bem sucedida atuação do Estado em favor da coletividade, simplesmente para  atender os interesses dos super ricos e a insaciável necessidade de constante crescimento do seu poder financeiro, negando, assim, a importância do conceito de interesse público e exaltando a adoção do individualismo como política de Estado.

Mas, para legitimar essa ideia, as classes dominantes precisavam criar uma argumentação que pudesse dar respaldo ao contrassenso que representa privar os cidadãos do papel regulador e protetor do Estado. Era necessário convencer as pessoas quanto a algo que não encontra evidências em nenhum campo do conhecimento teórico, muito menos suporte em qualquer contexto prático de justa convivência social.

Passou-se então a se investir em estratégias para enfatizar a ideia de que o desempenho individual é o único critério desejável de ordenação social, como se a simples possibilidade de alguém pleitear o acesso a posições na sociedade, lhes garanta (na realidade) a oportunidade para que esse feito seja alcançado. 

Dessa forma, explorando exemplos pontuais de pessoas excepcionalmente talentosas ou extraordinariamente sortudas, que conseguem se sobressair em ambientes socialmente adversos, tenta-se legitimar o argumento de que qualquer pessoa pode alcançar sucesso econômico e social, independentemente de ter nascido pobre ou em desvantagens de condições para competir. 

É nesse contexto que a meritocracia se encaixa como uma luva para a promoção da ideologia neoliberal, e serve de pretexto para a manutenção dos privilégios daqueles que são “favorecidos pelo ambiente onde nasceram” e pela condição de ser socialmente melhor relacionados, tendo, consequentemente, oportunidades de destaque na vida.

Assim, atribuindo “defeitos”, como falta de vontade e de esforço para superação, às pessoas que estão em condição econômica menos favorável na hierarquia social, tenta-se justificar a razão pela qual elas se encontram nessa condição e pela qual merecem permanecer lá, com argumentos do tipo:

  • A determinação individual frente às “imparciais” disposições do mercado – aqui entendido como um livre ambiente de competição social entre os indivíduos – é suficiente para garantir a qualquer pessoa a possibilidade de ascensão na hierarquia social exclusivamente por mérito pessoal;
  • O fato de se ter herdado bens familiares ou se ter conexões sociais ou qualquer outro privilégio, inclusive acesso a alimentação e a serviços de saúde e educação de qualidade, nada tem a ver com as possibilidades de sucesso ou fracasso dos “competidores sociais”. 
  • O sucesso ou fracasso dos indivíduos frente às situações da vida são considerados simplesmente uma questão de ordem pessoal, portanto, pensar em ação reparadora da desigualdade social por parte do Estado não é necessária, aliás não é justo e tão pouco aceitável. 

No entanto, ao passar pelo crivo de uma análise mais básica, facilmente se percebe que essa é uma ideia que não se sustenta sob nenhuma perspectiva, a não ser para ser utilizada como mecanismo de convencimento e (falsa) propaganda ideológica. Uma perspectiva que promove um comportamento discriminatório e eivado de preconceitos e ainda encoraja e justifica o egoísmo, a discriminação e a indiferença por aqueles que, na verdade, foram prejudicados de antemão, pois foram e são desprovidos de oportunidades básicas de desenvolvimento humano e social (muitos destes sequer possuem as mínimas condições para competir, ainda que em desvantagem). 

Sem ser dada a oportunidade de uma ação mediadora do Estado para amparar e/ou dirimir a distância que separa as condições, de partida, entre os cidadãos num contexto de concorrência, o resultado óbvio decorrente dessa concepção, com raríssimas exceções, será alguns “predeterminados” ao “sucesso”, enquanto os outros ao “fracasso”. 

As desvantagens iniciais podem perseguir uma pessoa ao longo de toda sua vida, traduzindo-se não só em falta de oportunidades e salários mais baixos, mas também em mortalidade precoce. E enquanto o acesso a oportunidades de desenvolvimento humano e social ficar restrito quase que exclusivamente como prerrogativa de um mesmo grupo ou classe social e essa distorção não for questionada e combatida, será impossível vislumbrar a perspectiva de futuro para o desenvolvimento livre, democrático e soberano para o nosso País.

O Brasil, com sua história colonial e escravagista de mais de 400 anos, tem uma enorme dívida social com a maioria da sua população. Esta é uma grande distorção da sociedade brasileira que precisa ser reparada. Até mesmo as empresas recebem atenção diferenciada, incentivos, isenções e outros benefícios de acordo com suas características. E uma sociedade justa e eficiente não se estabelece sob regras e políticas que privilegiem uma minoria em detrimento da maioria.

Não há qualquer possibilidade de transformação da realidade social e de superação da ordem estruturalmente antissocial e antidemocrática sob a qual estamos submetidos, relegando as pessoas à lei da sobrevivência do mais forte.

A meritocracia é uma farsa pensada para tentar abrandar a violência das classes dominantes, retratada na alarmante desigualdade social promovida pela aplicação na economia da ideologia neoliberal. Em países como o Brasil, a meritocracia é usada para justificar essa triste realidade social, na qual a maioria das crianças não se alimenta corretamente e não tem um ambiente familiar adequado que possa lhes oferecer oportunidades de acesso a bens culturais e sociais e outras condições fundamentais para o desenvolvimento de suas potencialidades.

É responsabilidade e dever de todos refletir e agir no sentido de criar mecanismos que possam ajudar a superar essa desigualdade, que impede o pleno desenvolvimento da cidadania e, consequentemente, o nosso pleno desenvolvimento enquanto Nação. Acima de tudo, isso é uma obrigação do Estado!

Uma das características mais importantes de um Estado Nacional é o sentimento de pertencimento que as pessoas possuem ou adquirem por integrarem um mesmo Estado. Um sentimento que se expressa por laços afetivos, passado em comum, traços culturais e outros elementos de identidade sócio-cultural que representam – ou deveriam representar – um atributo de união e solidariedade.

Ao contrário da propaganda maldosa que se faz, a meritocracia, tal como é proposta, atenta contra tudo isso que acabamos de falar e nada tem a ver com a ideia de justiça, mas sim com justificação para a inconcebível e absurda desigualdade social existente:

  • Não há futuro possível com esse perfil de desigualdade se reproduzindo ao longo do tempo;
  • Já passou da hora da sociedade reconhecer quão desleal e inaceitável é essa situação, e apresentar possibilidades para sua superação;
  • Não podemos mais fechar os olhos e deixar de perceber a diferença que faz nascer em determinados contextos que possibilitam uns a frequentar boas escolas, dispor de segurança e crescer em uma família com possibilidade de ser organizada em um ambiente tranquilo, com acesso a bens materiais e culturais, enquanto outros não.

Mas, para construir uma sociedade menos desigual, é preciso garantir o estímulo ao desenvolvimento humano e social a todos e só a intervenção reguladora do Estado pode assegurar isso.

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Diminuir as diferenças de oportunidades e o abismo social existente entre as pessoas, com políticas de inclusão e de distribuição de renda, é um processo transitório e necessário que promove a coesão social. Além de salvar vidas e melhorar o bem estar social, dará perspectivas para que cada vez mais jovens se tornem adultos produtivos e contribuam para o desenvolvimento de toda a sociedade.

Já houve no Brasil a adoção de política de ação afirmativa para brancos europeus, com incentivos e subsídios para estimular o processo de imigração, política de inclusão social que, por exemplo, jamais existiu para a população negra ou indígena

Por que, então, não pode ser considerado justo adotar políticas de reparação para os descendentes desses grupos que foram forçosamente retirados de suas terras, escravizados, privados de vivenciar de forma plena sua identidade e cultura. Que não receberam sequer uma indenização e ainda foram submetidos a tantas outras atrocidades e privações ao longo de tantos anos?

Não é possível mudar o passado, mas evitar que ele continue a se reproduzir no presente e a se projetar para o futuro é responsabilidade de todos. Os governos têm a obrigação de garantir essa reparação histórica para aqueles que há séculos estão em situação de vulnerabilidade e desvantagem social. E somos todos nós que precisamos nos empenhar para que isso aconteça!

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