Por Pietro Chidichimo Junior
Muito se tem falado e escrito, aos quatro ventos, que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a partir, principalmente, da decisão da Juíza Federal Pollyanna Kelly Maciel Martins Alves, da 12ª Vara Federal de Brasília, teria emitido édito de absolvição em relação a ele.
Ocorre que, ao analisarmos a referida decisão, mormente pelo fato de que a sua punibilidade foi extinta pela prescrição, com base no art. 107, inciso IV e 115, ambos do Código Penal, temos, juridicamente, que o mérito absolutório sequer foi tocado. Em outras palavras, embora juridicamente a decisão que extinga a punibilidade se equivalha auma “absolvição”, o certo é que não houve a utilização de quaisquer dos fundamentos que realmente absolvem um réu no processo penal.
São eles, respectivamente, os artigos 397 (absolvição sumária que é proferida no curso da ação penal, sem ter havido produção de prova) e 386 (absolvição ao final do processo, com a produção de provas e a consequente conclusão de que o réu deva ser absolvido), ambos do Código de Processo Penal:“Art. 397. Após o cumprimento do disposto no art. 396-A, e parágrafos, deste Código, o juiz deverá absolver sumariamente o acusado quando verificar:
I – a existência manifesta de causa excludente da ilicitude do fato;
II – a existência manifesta de causa excludente da culpabilidade do agente, salvo inimputabilidade;
III – que o fato narrado evidentemente não constitui crime; ou
IV – extinta a punibilidade do agente.”
“Art. 386. O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça:
I – estar provada a inexistência do fato;
II – não haver prova da existência do fato;
III – não constituir o fato infração penal;
IV – estar provado que o réu não concorreu para a infração penal;
V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal;
VI – existirem circunstâncias que excluam o crime ou isentem o réu de pena (arts. 20, 21, 22, 23, 26 e § 1º do art. 28, todos do Código Penal), ou mesmo se houver fundada dúvida sobre sua existência;
VII – não existir prova suficiente para a condenação.” Percebe-se, assim, modo claro, que o ex-presidente não foi juridicamente absolvido – prova disso é que a decisão que rejeita a denúncia, ou seja, que, de plano, determina a extinção do processo, embora se pareça demais com uma decisão absolutória, disso não se trata.
Com efeito. Quando o juiz rejeita a denúncia com fundamento na extinção da punibilidade, que nada mais significa do que tê-la extinto “pela perda do poder-dever de punir do Estado com base no decurso do tempo”. Isso significa que o Estado, salvo em alguns crimes, não pode exercer o seu poder de punir, modo eterno.
Muito pelo contrário.
A partir da prática de uma infração penal, dois direitos nascem concomitantemente:
– o direito do réu ao devido processo legal, cujos corolários são a ampla defesa e o devido processo legal e
– o direito que o Estado tem de exercer a sua pretensão punitiva ou a sua pretensão executória. Mas esse direito de punir não pode ser eterno; fica limitado aos prazos previstos no art. 109 do CP (o prazo mínimo é de 03 anos e o máximo, de 20 anos).
Ocorre que, quando o réu é menor de 21 (vinte e um) anos na data do fato ou maior de 70 (setenta anos) na data da sentença, esse prazo prescricional cai pela metade
– sendo que o ex-presidente foi por ela beneficiado, por contar com mais de 70 anos.
Além disso, a magistrada negou o pedido de recebimento da denúncia feito pelo Órgão Acusatório, no caso, o MPF, justificando que esse Órgão não havia “apresentado provas novas acerca do fato, a ponto de permitir o reinício da ação penal”.
Com o devido respeito, andou mal a Magistrada.
É que, como a decisão do Supremo Tribunal Federal anulou as condenações do ex-presidente Lula, ao fundamento de que o ex-juiz federal Sérgio Morto havia sido parcial, da mesma forma, não se pode afirmar, juridicamente, ter sido o ex-mandatário da nação condenado – repito, ele jamais foi validamente condenado, não obstante, inclusive, as sanções penais tenham sido aumentadas nos julgamentos em segundo grau, no caso, pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região.
Então, o que fez o STF foi declarar a parcialidade do juiz de piso, ou seja, que teria atuado, no mínimo, de modo a ocupar a posição que é exclusivamente do Ministério Público, conforme art. 129, inciso I, da Constituição da República, bem como conforme o art. 3º – A, do Código de Processo Penal:
“Art. 3º-A. O processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação.”
Explicando, o que ocorreu foi que, principalmente a partir da Operação Spoofing, ficou evidente a atitude ativa do aludido juiz, que, em muitas vezes, acabava substituindo o próprio papel do Ministério Público, pois que acabava produzindo provas de ofício, ao arrepio da Constituição e da lei, sem qualquer pedido do Ministério Público Federal nesse sentido.
Recapitulando:
– todos os processos oriundos da 13ª Vara Federal de Curitiba foram anulados pelo Supremo Tribunal Federal que considerou o ex-juiz federal Sérgio Moro parcial ao julgar o petista e na sequência, a Magistrada de Brasília acabou por rejeitar a nova denúncia oferecida, fulminando-a e ainda declarando extinta a punibilidade de Lula.
Logo, se todas as sentenças e acórdãos condenatórios proferidos contra Lula foram anulados, significa claramente que ele jamais foi condenado.
Lado outro, e sem precisar fazer grandes digressões, ninguém pode ser absolvido, se jamais foi condenado. E foi o que ocorreu com a decisão da Juíza de Brasília, ao rejeitar a inicial acusatória e declarar a extinção da punibilidade.
Quando à prisão do ex-presidente e consequente soltura, ocorreu devido ao fato de que, inicialmente, o STF passou a determinar o cumprimento da pena privativa de liberdade a partir do trânsito em julgado por um tribunal inferior – no caso do Brasil, os Tribunais Regionais ou Tribunais de Justiça.
No ano seguinte, acabou sendo colocado em liberdade, pois esse entendimento acabou vencido e a prisão passou a ser possível somente quando a condenação fosse confirmada em última instância – no caso do Brasil, pelo Supremo Tribunal Federal – aqui, sem dúvida, dadas as circunstância concretas, o Brasil atingiu mais um triste recorde conseguiu produzir o maior caso de Lawfare do mundo.
*Promotor de Justiça no Estado do Rio Grande do Sul há mais de 20 anos.
Especialista em Direito Processual Civil pela UNISINOS – Universidade do Vale do Rio dos Sinos – coordenação do professor Darci Guimarães Ribeiro.
Professor, há 20 anos, de Direito Penal; Processo Penal; Direitos da Pessoa com Deficiência; Direito dos Idosos e Estatuto da Criança e do Adolescente na Verbo Jurídico; na FMP-Escola Superior do Ministério Público-RS; FESDEP Fundação Escola Superior da Defensoria Pública-RS E Escola da AJURIS-Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul.
Foi assessor de Desembargador junto à Terceira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande Do Sul.
Aprovado em 12° lugar no concurso para ingresso à carreira de Juiz de Direito/RS; em 17° lugar no concurso para ingresso à carreira de Defensor Público/RS e em 7º lugar no concurso de ingresso à carreira de Promotor de Justiça/RS, cargo que decidiu assumir.
MEMBRO DO GAZETA REVOLUCIONÁRIA.