A QUESTÃO NEGRA, FUNDIÁRIA E OUTRAS

A QUESTÃO NEGRA, FUNDIÁRIA E OUTRAS

Por Marchesano

Ao mestiço da terra nunca houve acesso à seguridade social, à segurança, à saúde pública, à educação, ao lazer, à cultura nem à arte. Aos mestiços brasileiros só resta, hoje e sempre, o caminho da revolução.

A raiz da violência contra o negro no Brasil não está na melanina de sua pele. Uma vez que o próprio termo negro, advindo do Estatuto da Igualdade Racial – LEI Nº 12.288, DE 20 DE JULHO DE 2010, é confuso e coloca dentro deste termo pretos e pardos. Artigo 1º, inciso IV da Lei, diz:

população negra: o conjunto de pessoas que se autodeclaram pretas e pardas, conforme o quesito cor ou raça usado pela Fundação Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ou que adotam autodefinição análoga;

Com a definição do termo ‘negro’, temos agora outra questão a ser respondida – quem é o pardo no Brasil?

Segundo definição do IBGE, pardos são pessoas que se declaram mulatas, caboclas, cafuzas, mamelucas ou mestiças de negro com pessoas de outra raça. Ao chegar à definição do termo ‘pardo’ inúmeras outras perguntas se abrem. Caso ousemos buscar definir cada um dos conceitos que se apresentam por meio da definição do termo ‘pardo’ entraremos numa espiral de infinitas explicações, para obter como resultado nenhuma explicação.

Tratar ou entender o Brasil por meio de definições raciais puras é de fato negar o desenvolvimento histórico brasileiro. Darcy Ribeiro quando questionado ‘como definir o Brasil?’, assim respondeu: “Brasil é a nova Roma dos trópicos. Os brasileiros se integram em uma única etnia nacional, constituindo assim um só povo incorporado em uma nação unificada, num Estado uni-étnico”.

Para Darcy, o povo brasileiro é algo novo. Novo não no sentido de tenra idade, ainda que quando comparado a outros o brasileiro se encontra na posição de caçula, mas no sentido de uma estrutura societal que se mostra modificada em relação às antigas estruturas até então conhecidas

Surgimos da confluência, do entrechoque e do caldeamento do invasor português com índios silvícolas e campineiros e com negros africanos, uns e outros aliciados como escravos. Nessa confluência, que se dá sob a regência dos portugueses, matrizes raciais díspares, tradições culturais distintas, formações sociais defasadas se enfrentam e se fundem para dar lugar a um povo novo, num novo modelo de estruturação societária. Novo porque surge como uma etnia nacional, diferenciada culturalmente de suas matrizes formadoras, fortemente mestiçada, dinamizada por uma cultura sincrética e singularizada pela redefinição de traços culturais delas oriundos. Também é novo porque se vê a si mesmo e é visto como uma gente nova, um novo gênero humano diferente de quantos existam.

Povo novo, ainda, porque é um novo modelo de estruturação societária, que inaugura uma forma singular de organização socioeconômica, fundada num tipo renovado de escravismo e numa servidão continuada ao mercado mundial. Novo, inclusive, pela inverossímil alegria e espantosa vontade de felicidade, num povo tão sacrificado, que alenta e comove a todos os brasileiros.  Por essas vias se plasmaram historicamente diversos modos rústicos de ser dos brasileiros, que permitem distingui-los, hoje, como sertanejos do Nordeste, caboclos da Amazônia, crioulos do litoral, caipiras do Sudeste e Centro do país, gaúchos das campanhas sulinas, além de ítalo-brasileiros, teuto-brasileiros, nipo-brasileiros etc. Todos eles muito mais marcados pelo que têm de comum como brasileiros, do que pelas diferenças devidas a adaptações regionais ou funcionais, ou de miscigenação e aculturação que emprestam fisionomia própria a uma ou outra parcela da população. (Darcy Ribeiro, O Povo Brasileiro. grifo meu).

Se mesmo depois dessa caracterização do que é o povo brasileiro feita por Darcy optássemos por entender o Brasil por meio dos termos raciais, justificados pelos traços fenótipos, entraríamos num looping infinito de onde não mais sairíamos.  Só para se ter uma ideia, segundo Diégues Júnior (1977) as raças justificadas por traços fenotípicos – constroem o pardo, o moreno, o mulato, o crioulo, o cafuzo, o caboré, o cabra, o fula, o cabrocha, o sarará, o preto-aça, o guajiru, o saruê, o grauçá, o banda-forra, o salta-atrás, o terceirão, o carió – hoje denominados de carijó, de curiboca ou de cariboca […]. 

Como definir cada uma dessas raças?

Isso evidencia uma coisa, a insuficiência de tentar entender o Brasil por meio de classificações raciais duras. A unidade múltipla que constitui o Brasil, e muitos outros países da América Latina, é resultado do encontro dos inúmeros povos aqui conjugados por relações de miscigenação. Os pretos de África e os indígenas que aqui viviam nunca foram povos homogêneos. Os próprios portugueses também nunca foram brancos puros. Os portugueses são atravessados pelo desenvolvimento histórico do continente europeu. O português formou-se a partir do encontro dos seguintes povos – Estrimníos, Sefes, Cempsos, Lusitanos, Fenícios, Gregos, Cartagineses, Celtiberos, Suevos, Visigodos, Romanos, Judeus, Mulçumanos, Ciganos, Africanos, Franceses e Cónios. Todos esses, em maior ou menor grau, habitaram a península ibérica.

A quem interessa a racialização do Brasil baseada nos traços fenótipos ou na cor da pele?

Segundo o historiador paquistanês, Asad Haider, o processo de racialização social teve origem nos Estados Unidos a partir de 1676 com a Revolta de Bacon – O que realmente mudou tudo foi a Revolta de Bacon em 1676. Ela começou como um conflito entre a elite formada pela classe dos fazendeiros, mas por fim resultou em um ataque brutal à população indígena. Porém, ela também deu origem a uma rebelião de trabalhadores europeus e africanos, que queimaram Jamestown, a capital da colônia, e forçaram o governador a fugir.”

A partir desse momento as elites euro-americanas passaram a temer a aliança insurrecional formada por trabalhadores euro-americanos com trabalhadores africanos. Esse temor derivou-se da experiência da Revolta de Bacon, que foi uma ameaça fundamental para a existência da classe dominante colonial. A possibilidade dessa aliança entre os povos explorados tinha que ser impedida para sempre.

Com medo de novos levantes insurrecionais, as elites euro-americanas da Nova Inglaterra mudaram decisivamente sua força de trabalho para escravizados africanos, evitando assim lidar com a reivindicação de liberdade e posse de terra dos servos por dívida. Isso fortaleceu a branquidade como categoria legal, base essa para negar um prazo à servidão do trabalho forçado africano. Aqui vemos o marco fundante no longo e complexo processo de invenção da raça branca como forma de controle social.

Continua Asad:

A classe dominante no século XVIII a classe de fazendeiros euro-americana fez uma negociação com as classes trabalhadoras euro-americanas, as quais eram na maior parte formadas por agricultores de subsistência autônomos: ela trocou certos privilégios sociais por uma aliança interclasses de euro-americanos para manter uma força de trabalho africana superexplorada. Essa aliança racial euro-americana foi a melhor defesa da classe dominante contra a possibilidade de uma aliança entre a classe trabalhadora euro-americana e a afro -americana. 

[…] vemos a “agora familiar equação que converte raça a negro e negro a escravo”.

Nasce, desse modo, o conceito de raça com objetivo de instrumentalizar a mão de obra africana e inferiorizá-la em relação à raça branca. À classe dominante, tanto os euro-americanos como africanos eram tidos como pessoas inferiores, mas a fim de quebrar a aliança entre ambos, as elites euro-americanas estenderam alguns privilégios sociais aos trabalhadores euro-americanos em troca de apoio político.

Não foram os afro-americanos… que precisaram de uma explicação racial. Não foram eles que se inventaram como uma raça. Os euro-americanos resolveram a contradição entre a escravidão e a liberdade definindo os afro-americanos como uma raça. Os afro-americanos resolveram a contradição de maneira mais direta, pedindo a abolição da escravidão. Da era das revoluções americana, francesa e haitiana em diante, eles reivindicavam a liberdade como sendo deles por direito natural. (Asad, p.89, 2019. grifo meu).

Como se vê, um país racializado e, portanto, dividido entre brancos e negros é fácil de ser conduzido e manipulado. A invenção do negro como ‘identidade’ no continente americano serviu como justificativa para que as elites euro-americanas se mantivessem como classe dominante. Ademais, o termo serviu às elites como arma para rachar e fraturar a classe trabalhadora, dividindo-a em dois grandes blocos: brancos e negros. Essa divisão nada mais significa que a manutenção dos privilégios materiais da classe dominante em prejuízo dos trabalhadores.

A bi-racialização da sociedade pelas elites dominantes permite também a criação de agendas filantrópicas a fim de divulgar direitos por elas já gozados, afirmando, uma vez mais, a sua hegemonia como classe. Como diz Asad – […] a política identitária paradoxalmente acaba reforçando as próprias normas que se propõe a criticar. Como se não bastasse, as elites hegemônicas não dividem somente a sociedade em dois grandes blocos – brancos e negros -, mas dentro do próprio movimento negro as elites operam a divisão. 

Asad aponta que no interior do movimento dos Panteras Negras na década de 1960, começou a surgir, devido às contradições internas do movimento, mobilizações nacionalistas de cunho reacionário, representado por grupos como US Organization, de Ron Karenga, com os quais mais tarde os panteras iriam entrar em conflito. O nacionalismo reacionário apresentou como arma de luta ideologia a defesa da bandeira de identidade racial, de todo modo isso não excluía algumas questões materiais. A questão de início colocada dentro do movimento negro por um nacionalismo reacionário foi a de relegar as pautas materiais a segundo plano ao elevar essa pauta ideológica. 

A desarticulação no seio do movimento negro tornou possível a entrada de empresários e políticos negros na estrutura de poder americana. As elites hegemônicas foram capazes de usar a solidariedade racial para encobrir suas posições de classe. Foi na esteira deste nacionalismo reacionário de ideologia de raça, que surgiram Barack Obama e Bill Cosby, os quais iriam liderar o ataque contra os movimentos sociais e comunidades marginalizadas.

Com base nessa cisão entre os negros, movimentos e coletivos representativos se tornaram os grandes porta-vozes das elites dominantes e passaram a pautar as demandas a serem requeridas pela sociedade. O caráter desses movimentos e coletivos se sustenta em uma ideia de justiça social que reinscreve um ideal burguês como medida.

Dito isso, cabe perguntar: Qual o real motivo para que  o imperialismo estadunidense empregue enorme força para dividir a sociedade brasileira por meio da ideologia da identidade racial?

Matias Spektor, no livro Kissinger e o Brasil, aponta que os Estados Unidos têm um grande medo em relação ao Brasil, medo este que se fundamenta não em uma possível ameaça comunista, mas em situações revolucionárias espontâneas dentro de casa, que podiam ter caráter socialista, nacionalista ou simplesmente reformista (p.24). Matias ao explorar documentos da CIA escritos na década de 1960 reforça essa ideia. Em um desses documentos, encontra o seguinte fragmento – O perigo na América Latina resulta menos da habilidade dos comunistas em converter pessoas ao comunismo do que da habilidade de uns poucos comunistas dedicados a explorar para seus próprios fins a tendência disseminada de nacionalismo antiamericano. O Brasil já se defrontou com inúmeras ‘situações revolucionárias espontâneas’, ora de caráter socialista, nacionalista ou reformista. A história brasileira é marcada por vários levantes populares. São essas situações que assolam a inteligência americana.

Vernon Walters, um dos principais espiões da CIA entre a década de 1960 e 1970, no inverno de 1968 apresentou um memorando para Kissinger com o seguinte teor – “Não podemos nos dar o luxo de cometer erros nessa área. Se perdermos o Brasil, não será outra Cuba. Será outra China”. 

Portanto, para manter os seus propósitos em ação, o imperialismo utiliza-se de qualquer instrumento, entre eles a bi-racialização da sociedade. A bi-racialização é uma das formas mais eficazes de ação, pois ele vem dotada de boas intenções e filantropismo. Essa tática de ação do imperialismo age operando por meio das idiossincrasias presentes na cultura brasileira. O objetivo é explodir aquilo que nos une, a miscigenação. Segundo Pedro Abib, o mestiço em Darcy Ribeiro, elemento fundamental da configuração étnica brasileira, aparece como uma nova etnia, com particularidades e especificidades diferentes em relação ao índio, ao negro e ao branco. Essa nova etnia surge da necessidade de diferenciação destes mestiços frente aos seus ascendentes, gerando um persistente esforço de elaboração de sua própria imagem e consciência, fazendo surgir, pouco a pouco, a brasilidade.

Em síntese, as condições subjetivas do brasileiro e de sua brasilidade se formaram a partir do seu real desajuste diante da nova formação social que se erigia. As condições subjetivas do mestiço se fizeram ao negar, segundo Adélia Miglievich Ribeiro, a mãe índia ou a mãe preta pelo pai português. Essa negação trouxe ao mestiço a sua percepção de ninguendade, ou seja, o seu não-ser como povo. Foi esse nascer como ninguém que acabou tornando o povo brasileiro em um dos mais homogêneos linguística e culturalmente e, também, um dos mais coesos socialmente do ponto de vista de não abrigar nenhum contingente separatista.

Conquanto, muitos dirão que o processo de miscigenação no Brasil não pode ser comemorado nem defendido, uma vez que ele é produto do estupro coletivo, realizado pelo branco europeu sobre os nativos da terra e sobre os pretos de África. Contudo, não cabe aqui discutir o real caráter da miscigenação considerada, mas tão somente expô-la como traço marcante da especificidade brasileira. Há de ter em mente que muito do que hoje existe de explicação sobre a miscigenação brasileira a relacionando à tese do estupro coletivo dirigido e organizado pelo colonizador europeu, em especial o português, ganhou forma e força, de modo distorcido, com a introdução das agendas identitárias no Brasil no século XXI.

Essa forma de enxergar o desenvolvimento histórico sem realizar as necessárias mediações para a apreensão das reais leis de funcionamento do movimento histórico tende a reduzir o entendimento sociopolítico à moral. Não à toa, que por meio da teoria do estrupro coletivo, sem as conexões necessárias, conjugada com uma recente pesquisa do IPEA que teve como objetivo pesquisar qual o sexo prevalente dos agressores sexuais, deu substratos para que alguns coletivos e movimentos feministas classificassem todos os homens de ‘potenciais estupradores’. Essa classificação em seu pleno teor pode ser vista no artigo de Renata Floriano de Souza, Cultura do estupro: prática e incitação à violência sexual contra mulheres, publicado na plataforma Scielo, através do qual ela faz a seguinte afirmação

Em última análise, a amostragem é compreensiva quando se percebe o quão duro é olhar para o seu pai, irmão, amigo ou conhecido com a suspeita de que, em algum momento, esse homem possa ter praticado ou possa vir a praticar tamanha atrocidade. Nesse caso, é muito mais fácil aceitar que o estuprador, via de regra, tem alguma característica ou anormalidade que os homens que temos em nosso círculo social não têm, do que admitir que qualquer homem pode vir a praticá-lo, desde que esteja moralmente justificado para isso.

Renata incita a olhar para os familiares do sexo masculino como potenciais estupradores. É mais fácil justificar uma prática existente na sociedade disciplinando-a à teoria das identidades do que entendê-la pela luta de classe. Darcy Ribeiro, no livro ‘O Povo Brasileiro’, coloca a questão da mestiçagem dos portugueses recém-chegados com as indígenas da seguinte forma: ‘Armados de chuços de ferro e de arcabuzes tonitruantes, eles (os portugueses) se sabiam e se sentiam a flor da criação. Seu desejo, obsessivo, era multiplicar‐se nos ventres das índias e pôr suas pernas e braços a seu serviço, para plantar e colher suas roças, para caçar e pescar o que comiam’. O encontro entre os dois povos foi antes de tudo o encontro de dois modos de produção distintos: o capitalismo, ainda incipiente na Europa, trazido pelos portugueses e o modo de produção comunal-coletivo defendido pelos nativos

O contraste não podia ser maior, nem mais infranqueável, em incompreensão recíproca. Nada que os índios tinham ou faziam foi visto com qualquer apreço, senão eles próprios, como objeto diverso de gozo e como fazedores do que não entendiam, produtores do que não consumiam. O invasor, ao contrário, vinha com as mãos cheias e as naus abarrotadas de machados, facas, facões, canivetes, tesouras, espelhos e, também, miçangas cristalizadas em cores opalinas (Darcy, O Povo Brasileiro).

A mulher teve seu status rebaixado quando a sociedade deixou de se organizar de modo comunal-coletivo, traço característico das sociedades matriarcais, para organizar-se de modo hierárquico-individual. A autoridade na sociedade matriarcal pautava-se pelo exercício da hierarquia de dominância reversa. Ou seja, o exercício da autoridade era realizado pelo grupo fundamentado no igualitarismo e na reciprocidade entre os partícipes. Com a apropriação do excedente por aqueles que detinham o controle das armas de caça, a sociedade ganhou nova configuração, passando a se organizar de modo vertical e autocrático, tendo a figura masculina como centro do poder, o que convencionou-se denominar de sociedade patriarcal. 

Veja, a sociedade matriarcal tinha como característica organizativa o igualitarismo e a reciprocidade, baseado no modo de produção comunal-coletivo; a patriarcal tem a autocracia e a verticalidade o seu traço característico, fundamentado na posse do excedente por um pequeno grupo. Com a apropriação houve a necessidade de acumulação, por meio dessa necessidade o status da mulher foi rebaixado de partícipe comunal para coisa material que pode ser percebida pelos sentidos, objeto. Desse modo evidencia-se que a luta das mulheres é indissociável da luta pelo fim da exploração do homem pelo homem.

A partir da virada do último milênio, temendo a unificação das lutas, os departamentos de pesquisas das grandes universidades dos países centrais e periféricos, sob a interferência do financiamento das empresas transnacionais, se transformaram em um núcleo duro das políticas raciais. Muitos desses departamentos de pesquisa mantêm estreitas relações com fundações transnacionais e com o departamento de inteligência dos EUA mediante redes de financiamentos. Suas linhas de pesquisas seguem as métricas impostas pelos seus financiadores. As agendas acabam ganhando materialidade nos cursos de pós-graduação das grandes universidades. Quem paga a banda escolhe a música. Álvaro Vieira Pinto declara:

[…] por força de sua própria constituição no interior de uma sociedade subdesenvolvida, a universidade, mesmo fora da consciência, ou contra a vontade dos seus eméritos mestres, comporta-se como instituição sempre favorável ao domínio imperialista das potências metropolitanas. Este mal é inevitável, enquanto persistirem as atuais divisões sociais, pois é evidente que agentes dos interesses antinacionais, sabendo do indiscutível prestígio da universidade e do seu papel na formação da mentalidade das novas gerações intelectuais do país, tudo farão para se introduzir nesse centro vital e influir nele ao sabor dos seus desígnios.

As fundações ao lado das linhas de pesquisa dizem que é preciso jogar luz sobre a sociedade, para revelar nosso processo de formação social. Contudo, a luz traz consigo a possibilidade da formação de sombras. É por detrás dessas sombras que o poder financeiro se esconde ao promover as luzes.

As linhas de pesquisa, com o objetivo de manter a agenda das identidades raciais, utilizam como ferramental analítico-teórico as armas da sociologia dos efeitos, recusando confrontar as reais causas. Nada mais oferecendo que uma teoria de explicação analgésica (alivia as dores, mas não elimina a doença). Como exemplo concreto da aliança formada pelas partes – ‘capital-universidade-estado’ – em torno dessas pautas, encontramos o movimento ‘Coalizão Negra Por Direitos’ no Brasil ligada à Oxfam Internacional.

A Oxfam International é uma confederação de 19 organizações e mais de 3000 parceiros, que atua em mais de 90 países por meio de campanhas humanitárias. Tergiversando sobre questões relacionadas à desigualdade social, racial e de gênero. É uma organização que se apresenta como uma ação de ajuda humanitária, mas que no final serve para pautar as políticas dos Estados. A Oxfam aponta as deficiências e traça as medidas a serem tomadas.

Nada novo na Terra do Sol.

E o Brasil, cadê?

O Brasil profundo não está aí representado. E nem pode por aí ser resolvido. Ele foi revelado, em certa medida, pelas obras antropológicas dos brasis de Darcy Ribeiro, pelas obras do folclorista e culturalista Luís da Câmara Cascudo e pelas películas do cineasta Glauber Rocha. O Brasil, em essência, não é um país racializado. Ele é um país atrasado, periférico, isto é, dependente. Regido pela estética da fome – “[…] esta fome que o europeu e o brasileiro na maioria não entende. Para o europeu é um estranho surrealismo tropical. Para o brasileiro é uma vergonha nacional. Ele não come, mas tem vergonha de dizer isto; e, sobretudo, não sabe de onde vem esta fome”.

O Brasil participa do processo de reprodução social do modo de produção capitalista como elo mais fraco da corrente. Portanto, o racismo aqui estruturado é produto-reflexo das nossas condições materiais a que todos os povos latino-americanos estão submetidos, inclusive o Brasil.

Quais são as condições materiais que sufocam a América Latina, matando o povo cotidianamente? O que os povos latino-americanos têm em comum?

Começando de trás para frente, todos temos uma identidade diferente e traços fenótipos distintos, o que confere a cada pessoa um traço singular. Contudo, essa singularidade não está solta no ar, ela é produzida no conjunto das relações sociais tecidas. A identidade não antecede ao social, senão o oposto (Sou quem sou, porque somos todos nós – Ubuntu). As relações sociais são determinadas pelo modo de produção e reprodução da vida. O que une os povos latino-americanos é muito mais forte do que os traços que os singularizam. A condição que nos une é aquela sobre a qual produzimos e reproduzimos nossa existência, a fome. A fome é a condição material determinante que une todos os povos latino-americanos. E esta condição é produto do nosso subdesenvolvimento.

Cascudo – Papagaio não comeu? Morreu!

A fome é resultado da abundância, isto é, da estrutura fundiária presente em toda a América Latina. O latifúndio é a causa de os povos oprimidos latino-americanos não terem acesso à terra e terem a fome como companheira direta – A fome latina, por isto, não é somente um sintoma alarmante: é o nervo de sua própria sociedade. […] nossa originalidade é a nossa fome e nossa maior miséria é que esta fome, sendo sentida, não é compreendida.

Ela conduz, de modo violento, o cafuzo, o caboré, o cabra, o fula, o cabrocha, o sarará, o preto-aça, o guajiru, o saruê, o grauçá, o banda-forra, o salta-atrás, o terceirão, o carió, o cariboca, quer dizer, todos os oprimidos e explorados, para as zonas mais periféricas e insalubres dos grandes centros urbanos. Espaços que assim se mantêm devido à mistura da especulação imobiliária, da estrutura fundiária e dos mecanismos da dívida pública, direcionados à extração das riquezas nacionais. Não é o racismo a causa da dependência, mas a dependência a causa da racialização da sociedade.

O preto de África e o nativo da terra antes de serem classificados pela cor da pele ou pelos traços genéticos, foram qualificados como mercadorias pelo capitalismo. Condição transmitida atualmente para mais de 90% da população latino-americana.

Por isso, não adianta escrever artigos e teses sobre o “Racismo” sem antes mostrar a pedra angular de todo o problema. A pedra angular que coloca em pé todo o processo de espoliação e exploração hoje e sempre na América Latina é a unidade do latifúndio com as finanças transnacionais. Como numa jogada ensaiada de futebol, as elites dependentes ou periféricas negam o acesso à terra e as elites hegemônicas bi-racializam a sociedade para esconder o processo de rapinagem, a exploração e a luta de classes.

A mão de obra na América Latina, predominantemente mestiça, enquanto passa fome, alimenta as elites de seus respectivos países e, acima de tudo, as elites transnacionais. Assim é mantida a configuração social no continente, que se reforça de tempos em tempos ou, melhor, de crise em crise, para afastar a possibilidade de levantes, sublevações, revoltas e revoluções do coração do capitalismo, transferindo a crise para os trabalhadores latino-americanos. O modus operandi das elites transnacionais traz o mesmo conteúdo desde o século XVII – dividir para dominar.

De pé, ó vítimas da fome!

De pé, famélicos da terra!

Da idéia a chama já consome

A crosta bruta que a soterra…

A bi-racialização do Brasil está totalmente vinculada à posição do país na divisão internacional do trabalho e do saber. Por mais que o capitalismo atualmente tenha chegado a excelentes resultados no desenvolvimento de suas forças produtivas do trabalho, os países periféricos ainda continuam organizados de forma mercantilista, resumindo-se a uma economia exportadora de gêneros primários alicerçada na superexploração da mão de obra. Em suma, dentro da lógica colonial escravocrata.

À opressão não mais sujeitos!

Somos iguais todos os seres

Não mais deveres sem direitos

Não mais direitos sem deveres!

A dependência da América Latina não se resume ao campo econômico, ela também se encontra no campo da criação das condições subjetivas da sociedade. Frantz Fanon apontou com muita lucidez quando disse que – Os oprimidos sempre acreditarão no pior sobre si mesmos”. Por ser dependente, a América Latina não importa somente tecnologia, importa também, de forma desigual e combinada, a sua identidade por meio da incorporação de pacotes pedagógicos, teorias, instituições políticas, modelos urbanos, corpus jurídico, valores culturais, arte, música, vestimenta, culinária dos países centrais.

Até algumas táticas de luta realizadas contra a exploração capitalista na América Latina tendem a ser contaminadas pelos vícios das elites hegemônicas. Essas táticas vêm muitas vezes acompanhadas de valores culturais dos países hegemônicos e, dessa forma, podendo ser utilizadas contra o próprio povo latino-americano em prol das elites imperialistas. Essas táticas são disseminadas e operadas pelos intelectuais orgânicos, representantes dessas elites. Esses intelectuais nada mais são do que uma pedra de tropeço  para a classe trabalhadora, eles disseminam o caos e a confusão no seio dos trabalhadores.

Os intelectuais são distribuídos e organizados pelos aparelhos de inteligência do Estado, segundo os interesses dos dominantes em prejuízos dos dominados. Em muitos casos, os intelectuais a serviço da burguesia saíram do seio da classe trabalhadora mas como o apóstolo João disse – Saíram do nosso meio, mas na realidade não eram dos nossos, pois se fossem dos nossos, teriam permanecido conosco; o fato de terem nos abandonado revela que nenhum deles era realmente dos nossos.

Eles se utilizam dos mais nobres e avançados artefatos linguísticos para inventar termos e conceitos a fim de explicar a realidade por fora da realidade. Porquanto, o objetivo final deles é o mesmo das elites imperialistas – esconder as reais contradições para que a exploração se mantenha.

Nós fomos de fumo embriagados

Paz entre nós, guerra aos senhores!

Façamos greve de soldados!

Somos irmãos, trabalhadores!

A unidade do latifúndio latino-americano e das finanças transnacionais é a causa da nossa fome e opressão.

A Oxfam, no ano de 2016, divulgou o relatório ‘Terra, Poder e Desigualdade na América Latina’, no qual mostrou, a partir da análise dos Censos Agropecuários locais, que apenas 1% das fazendas ou estabelecimentos rurais na América Latina concentra mais da metade (ou 51,19%) de toda a superfície agrícola da região. No Brasil, 45% da área rural está nas mãos de menos de 1% das propriedades.

No Brasil, com a aprovação da Lei de Terras, em 18 de setembro de 1850, o imperador Dom Pedro II optou por ter a zona rural dividida em latifúndios, e não em pequenas propriedades. Segundo dados atuais, apenas 0,7% das propriedades têm área superior a 2 mil hectares (20 km2), mas elas, somadas, ocupam quase 50% da zona rural brasileira. Por outro lado, 60% das propriedades não chegam a 25 hectares (0,25 km2) e, mesmo tão numerosas, só cobrem 5% do território rural. Os dados são do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).

À época da aprovação da Lei de Terras, os latifundiários sabiam que a escravidão legalizada chegaria ao fim, e que as suas propriedades corriam o risco de ficar sem mão de obra. A Lei de Terras veio para eliminar esse risco. Uma vez tornada ilegal a ocupação da zona rural por quaisquer outras vias a não ser por compra, ex-escravos e imigrantes pobres europeus foram impedidos de conquistar seu quinhão de terra, passando assim a condição de trabalhadores abundantes e baratos ao latifúndio. A Lei de Terras eliminou dois riscos: a falta de mão de obra e o acesso do escravizado à terra. Ademais, transformou a terra em mercadoria e assalariou a mão de obra.

Com a abolição legal da escravidão, a propriedade deixou de ser diretamente o escravizado para se tornar a terra. Contudo, o escravizado não deixou de ser propriedade dos latifundiários.

Sem terra, sem propriedade, sem meios de produção, sem dispor de participação política, dinheiro ou influência, o que restou ao escravizado a não ser vender-se por um preço vil?

Muitos estoriadores não entenderam que a vinda de Dom João VI ao Brasil, em 1808, esteve atrelada às revoltas na colônia e à revolução haitiana, não à hegemonia de Napoleão Bonaparte na Europa. Como alguém em fuga, neste caso D. João VI, conseguiria sair carregando consigo uma biblioteca inteira, familiares e serviçais num total de 10 mil pessoas? O medo de D. João VI era o mesmo medo das elites escravistas e latifundiárias, a formação de uma classe de jacobinos no Brasil.

Os jacobinos haitianos inspiraram muitos líderes latino-americanos, inclusive Simón Bolívar. 

Sei que o historiador não vive de especulação, contudo, imaginemos, por um momento que seja, o que teria acontecido se os escravizados brasileiros tivessem seguido os passos dos jacobinos haitianos? Com vistas a evitar que hoje tivéssemos essa resposta, a Coroa portuguesa encarregou-se de efetivar inúmeras políticas para inviabilizar a emancipação do escravizado brasileiro. A lei de Terras de 1850, aprovada 14 dias depois da Lei Eusébio de Queirós, foi uma delas. 

Foi a partir da chegada da Coroa portuguesa e, especialmente, após a Lei de Terras, que o Brasil moderno nasceu, totalmente adaptado ao modus operandi da hegemonia inglesa. É com essa mudança que o Brasil deixou de ser a terra da Casa Grande & Senzala para se tornar o país dos Sobrados e Mucambos. Em outras palavras, a hegemonia inglesa no Brasil, representada pela Coroa portuguesa, transformou o escravizado-mercadoria em negro.

A relação entre a Casa Grande & Senzala pautava-se não pela melanina da pele nem pelos traços fenótipos, e sim pela posse dos bens materiais. A posse dos bens materiais pertenceu aos senhores, através da qual eles também detiveram o domínio sobre os pretos de África. Estes aqui chegados logo foram selados como mercadoria. O preto de África no Brasil, segundo Darcy Ribeiro, passou por dois processos: o primeiro de deculturação e o segundo de aculturação. A deculturação consiste em seu caráter compulsório expresso no esforço por inviabilizar a manifestação da cultura própria e por impossibilitar sua transmissão. A aculturação opera tanto pelo desenraizamento como pela criatividade cultural, pelos quais as etnias se conformam e se transfiguram dada a necessidade de plasmar novos corpos de compreensões comuns e co-participadas para viabilizar o convívio humano e a participação na vida social. 

A busca de convívio e participação na vida social do preto de África, somada ao caráter plástico do colonizador português e a relação deste com as mulheres indígenas, levou Gilberto Freyre, ainda que de forma indireta, ao erro de pensar ter havido no Brasil uma espécie de democracia racial. Por mais que possa ter havido convívio entre as três raças, o centro de dominação nunca saiu das mãos portuguesas. Assim sendo, o nascimento linguístico e cultural brasileiro surgiu do processo de deculturação e aculturação do negro e, também, do indígena pelas práticas pedagógicas dos jesuítas, tutelado pelo domínio do cetro português. O Brasil não é produto, como queria Freyre, de uma unidade amistosa entre as  raças, mas sim de relações de poder as quais colocaram uns como exploradores e opressores e outros como explorados e oprimidos. 

A idiossincrasia brasileira é a síntese dessa contradição. A mestiçagem linguística, cultural e étnica brasileira não pode ser avaliada somente pelo aspecto sexual, visto que esse aspecto é sintoma das estruturas de poder aqui construídas e consolidadas. Essas estruturas só encontraram enraizamento no Brasil porque atendiam aos interesses imediatos da divisão internacional do trabalho à época. Assim que a divisão internacional do trabalho foi se reconfigurando sob a égide do imperialismo inglês a relação Casa Grande & Senzala foi dando espaço para a formação social dos Sobrados e Mucambos.

Com a Revolução Industrial inglesa e o avanço da hegemonia da Inglaterra sobre o mundo conhecido e explorado, os ingleses passaram a se oporem ao tráfico de escravizados e à escravidão. Promulgaram duas importantes leis contra a prática da escravidão. A primeira, no dia 25 de março de 1807, chamada de “Ato contra o comércio de escravos”, que proibiu o tráfico de escravos. A segunda, no dia 23 de agosto de 1833, chamada “Ato de Abolição da Escravatura”, pela qual, desde 1 de agosto de 1834, ficavam, livres, todos os escravos das colônias britânicas.

A mudança de posição da Inglaterra em relação à prática escravista nada tinha a ver com algum tipo de preocupação sentimental ou filantrópica com os escravizados, mas tão somente o desejo de compor e consolidar a nova morfologia do trabalho e a sua posição no mercado mundial. A mudança de orientação política em relação à escravidão tinha por fim atender o desenvolvimento das forças produtivas inglesas. Pois, uma vez inaugurada a grande indústria era preciso haver novos mercados e aprofundar os já existentes. Em outras palavras, criar mercados consumidores para a realização da mais-valia. Dessa forma, a nova morfologia do trabalho pautar-se-ia, a partir do século XIX, no regime de assalariamento para a efetivação do consumo.

A Lei de 1807, acima colocada, foi consequência direta do “Bloqueio Continental”, decretado em 21 de novembro de 1806, que impedia que os navios do Reino Unido da Grã Bretanha (Inglaterra) e Irlanda acessassem aos portos dos países dominados pelo Império Francês.

Ao defender a libertação gradual do escravizado para a criação de novos mercados, a Inglaterra se viu diante de outro dilema – como evitar que novos processos revolucionários à la Haiti se forjassem na América Latina?  Racializando e balcanizando as sociedades sob a égide das bandeiras do liberalismo. O imperialismo inglês tendo acumulado experiência com suas ex-colônias na América do Norte e com os processos revolucionários francês e haitiano, sabia que não podia permitir a formação de uma classe de trabalhadores assalariados coesa na América Latina, se assim acontecesse, correria o risco de ver o nascimento de uma ‘Pátria Libre’ pela força das baionetas.

Desse modo, o primeiro grande elo a se preocupar foi com o Brasil, país de vasto território e de valiosa riqueza natural. Logo depois, aproveitando-se das contradições existentes entre as elites hispânico-americanas (os crioulos) e os elites espanholas (os chapetones) somadas à vulnerabilidade da Coroa Espanhola diante de suas colônias na América, a Inglaterra passou a dar apoio financeiro e operacional, de modo indireto, aos processos de independência na América hispânica. Desse modo, a Inglaterra passou a promover a balcanização dos territórios latino-americanos, objetivando evitar dois perigos à sua hegemonia: 1) O retorno da América hispânica ao status de colônia por imposição da Santa Aliança e, portanto, a volta da Espanha como intermediária comercial entre a Inglaterra e os territórios hispânico-americanos; 2) A formação de uma classe coesa de famélicos dispostos a lutarem pelas suas vidas em conjunto.

No caso do Brasil, a operação foi diferente. O país não passou por um processo de desintegração e conseguiu evitar uma ruptura política realizada pelas massas. Entretanto,

Como manter um vasto território de modo integrado sem correr o risco de futuras sublevações?

Dividindo-o internamente para dominar. As inúmeras operações político-jurídicas realizadas pela Coroa portuguesa e os dois Impérios brasileiros subsequentes tornaram o escravizado uma figura à parte do desenvolvimento da sociedade brasileira em formação.

Enquanto o Brasil permanecia sendo organizado economicamente pela região Nordeste, em especial, pelas Capitanias de Pernambuco e Bahia, a questão da raça como identidade não existia como divisor da sociedade brasileira, a divisão dava-se tão somente pela posse material. Com a mudança do eixo econômico do Brasil para a região Sudeste, a relação de posse foi escamoteada pela questão da raça. O conceito de raça nasce com a construção dos espaços urbanos associados com a teoria do ‘Darwinismo Social’. O Darwinismo social descreve o uso dos conceitos de luta pela existência e sobrevivência dos mais aptos, para justificar políticas que não fazem distinção entre aqueles capazes de sustentar a si e aqueles incapazes de se sustentar. Esse conceito motivou as ideias de eugenia, racismo, imperialismo, fascismo, nazismo e na luta entre grupos e etnias nacionais. Foi empregado também para tentar explicar a gritante desigualdade engendrada pela revolução industrial inglesa, sugerindo que os que estavam pobres eram os menos aptos e os mais ricos que evoluíram economicamente seriam os mais aptos a sobreviver. Não nos esqueçamos que a teoria do darwinismo social surge com o surgimento do Imperialismo como a fase superior do capitalismo, ou seja, a partir de 1870.

Os espaços urbanos são os lugares pensados e organizados para a circulação e efetivação da mercadoria. Esses espaços refletem de modo nítido as discrepâncias entre os explorados e exploradores. No Brasil esses espaços dividiram-se em dois extremos: de um lado os Sobrados dos grandes barões do café, de outro, os Mocambos dos escravizados e alforriados. Essa cisão, ainda que fundamentada na posse material, não era assim reconhecida no contexto imediato dos citadinos. A questão racial passou a ser a explicação para a condição do escravizado no lugar da questão da posse material.

Com a proclamação da Primeira República e a constante aproximação do Brasil aos Estados Unidos, tendo o Estado de São Paulo como estado satélite nessa relação, a figura do ex-escravizado foi apagada dos livros de história. As elites paulistas queriam construir um Brasil desvinculado da herança da Coroa portuguesa, tratando os problemas da escravidão e do mestiço brasileiro como peça constituinte do extinto Império Brasileiro. A preocupação das elites paulistas, como fora a preocupação das elites euro-americanas a partir do século XVII nos Estados Unidos e das inglesas no século XIX, era a de conseguir separar os europeus recém-chegados dos mestiços brasileiros.

Passou-se, assim, a oferecer pequenos lotes de terras para os europeus recém-chegados para a formação de uma agricultura de subsistência, coisa que até hoje continua sendo negada ao mestiço brasileiro. Após a abolição, o mestiço passou a ser um estrageiro em sua própria terra. Andando de modo errante nos espaços urbanos atrás de oportunidades passou a engrossar as fileiras do exército de reserva dos trabalhadores. Contudo, nos lugares onde não havia indústria, nem ao menos de modo incipiente, o mestiço era um andarilho a vaguear por estradas e terras sem perspectiva de vida, tendo a fome como amiga e companheira.

Dos dois tipos mestiços, o citadino e o rural, surgiram, de modo coetâneo, duas grandes revoltas. Do lado citadino, onde havia uma indústria incipiente, o mestiço ao lado dos espanhóis e italianos deram início às grandes greves em São Paulo de 1907 a 1917. Do lado rural, na região Nordeste, onde não havia indústria para trabalhar nem terra para cultivar, o mestiço andarilho deu início à Guerra dos Canudos, assim definida nas palavras de Euclides da Cunha: “Aquela campanha lembra um refluxo para o passado. E foi, na significação integral da palavra, um crime. Denunciemo-lo”. O mesmo Euclides assim se classifica o mestiço pelo epíteto ‘sertanejo’ – “O sertanejo é, antes de tudo, um forte”. 

A invenção da raça para dividir o Brasil entre negros e brancos e um estratagema do imperialismo para negar o nosso passado de luta pela terra, pão e liberdade. A nossa luta não foi outra coisa senão a luta pelo socialismo. Todas as lutas realizadas pelo mestiço brasileiro, de maneira consciente ou não, tiveram como eixo o fim da exploração do homem pelo homem, a busca pelo acesso à terra e pela possibilidade de amar. 

O Brasil nunca foi um país pacífico, a opressão e exploração aqui presentes sempre obrigaram o mestiço a lutar, ora sozinho, ora acompanhado, mas sempre a se colocar em luta. Se a intenção for a de romper com o passado colonial, não é incinerando estátuas que lá chegaremos, pois, os que ainda assim nos mantêm não estão mortos nem embalsamados. Eles estão vivos e continuam a nos constranger. Encomendam nossas almas à morte ao negar nosso acesso à terra, dando-nos, como alimento, a fome. Se há alguém em algum lugar que deva ser queimado, que esse alguém seja os latifundiários, os quais nos traem com as frações financeiras transnacionais. 

Dessa forma, nada mais legítimo que a externação do nosso ódio de classe – Assim, somente uma cultura da fome, minando suas próprias estruturas, pode superar-se qualitativamente: a mais nobre manifestação cultural da fome é a violência.

Nas cidades, as greves. No campo, a guerra. Num e noutro, o mestiço. Das greves, a CLT em 1943. De Canudos, as ligas camponesas em 1950. O mestiço brasileiro sempre foi o trabalhador uberizado (subocupado) do campo e da cidade. Inventam novos conceitos para problemas antigos.

Bem unido façamos

Nesta luta final

Uma terra sem amos

A internacional

Tudo pela classe trabalhadora, nada contra a classe trabalhadora, nada fora da classe trabalhadora!

Levante ! Organize-se! Lute!
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