A ILEGALIDADE DAS PRIVATIZAÇÕES DO BRASIL

A ILEGALIDADE DAS PRIVATIZAÇÕES DO BRASIL

Por Pietro Chidichimo Junior

LOCALIZAÇÃO DO SERVIÇO POSTAL BRASILEIRO NA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA.

Diz o art. 21, inciso X, da Bíblia Política:

“Art. 21. Compete à União:
(…)
X – manter o serviço postal e o correio aéreo nacional;” Desde a Constituição Federal de 1934 passou-se a atribuir, como em todas as demais Constituições – Art. 15, inciso VI, CF/37; art. 5º, inciso XI, CF/46; art. 8º, inciso XII, CF/67; art. 8º, inciso XII, Emenda Constitucional nº 1/69; e arts. 21, inciso X, e 22, inciso V, CF/88) – a competência administrativa privativa da União para “manter o serviço de correios”.

Além disso, não podemos esquecer o art. 22, inciso V, da CF/88: “Art. 22. Compete privativamente à União legislar sobre: (…) V – serviço postal;”

Adveio do texto constitucional a organização da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (ECT), por meio da transformação do Departamento dos Correios e Telégrafos (DCT) em empresa pública, para organizar e exercer a competência constitucionalmente
atribuída à União (vide Decreto-Lei n. 509, de 20 de março de 1969). No entanto, diante de fatores tecnológicos favoráveis somente ao nefasto capitalismo, como o incremento do e-commerce e declínio das correspondências de papel, aumentou o número das formas de transporte de encomendas, tudo com o fim de coroar o imperialismo com o maior lucro possível.

Surgem assim empresas como Amazon, Ebay, Mercado Livre, dentre tantas outras que, inclusive, passaram a adquirir frotas de aeronaves e de furgões como modo de entrega rápida de seus produtos, seduzindo o consumidor e, com isso, induzindo-as a desqualificar os serviços dos Correios, que apenas pensando em si mesmas, passaram a ter incutida a ideia do quão ruim, atrasado, defasado e vagaroso passaria a ser considerada a ECT, por todos esses motivos já expostos e, propositadamente, pela falta de investimentos do governo na empresa, com o fim óbvio de privatizá-la a um preço vil. Esta nova condição do setor começou a gerar pressões sobre o marco constitucional do serviço postal brasileiro dentro de um contexto mais amplo do sistema de acumulação neoliberal/capitalista.

A partir daí, várias questões jurídicas foram postas e ações judiciais, por óbvio, foram ajuizadas, tendo sido vencedora a posição do Min. Eros Grau que, por maioria, reconheceu o serviço postal como serviço público, cuja exclusividade da prestação é atribuída à União por meio do antes citado art. 20, inciso X, da CF/88 e, por delegação legal pela ECT, empresa pública integrante da administração indireta da União, caracterizando-se em um privilégio postal. Ao final, julgou-se, em 05 de agosto de 2009, improcedente a Arguição de
Descumprimento de Preceito Fundamental, cuja ementa foi a seguinte:

ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. EMPRESA PÚBLICA DE CORREIOS E TELEGRÁFOS. PRIVILÉGIO DE ENTREGA DE CORRESPONDÊNCIAS. SERVIÇO POSTAL. CONTROVÉRSIA REFERENTE À LEI FEDERAL 6.538, DE 22 DE JUNHO DE 1978. ATO NORMATIVO QUE REGULA DIREITOS E OBRIGAÇÕES CONCERNENTES AO SERVIÇO POSTAL. PREVISÃO DE SANÇÕES NAS HIPÓTESES DE VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL. COMPATIBILIDADE COM O SISTEMA CONSTITUCIONAL VIGENTE. ALEGAÇÃO DE AFRONTA AO DISPOSTO NOS ARTIGOS 1º, INCISO IV; 5º, INCISO XIII, 170, CAPUT, INCISO IV E PARÁGRAFO ÚNICO, E 173 DA CONSTITUIÇÃO DO BRASIL. VIOLAÇÃO DOS PRINCÍPIOS DA LIVRE CONCORRÊNCIA E LIVRE INICIATIVA. NÃO-CARACTERIZAÇÃO. ARGUIÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. INTERPRETAÇÃO CONFORME À CONSTITUIÇÃO CONFERIDA AO ARTIGO 42 DA LEI N. 6.538, QUE ESTABELECE SANÇÃO, SE CONFIGURADA A VIOLAÇÃO DO PRIVILÉGIO POSTAL DA UNIÃO. APLICAÇÃO ÀS ATIVIDADES POSTAIS DESCRITAS NO ARTIGO 9º, DA LEI.

1-O serviço postal — conjunto de atividades que torna possível
o envio de correspondência, ou objeto postal, de um
remetente para endereço final e determinado —
não consubstancia atividade econômica em sentido estrito.
Serviço postal é serviço público.

2-A atividade econômica em sentido amplo é gênero que compreende duas espécies,
o serviço público e a atividade econômica em sentido estrito.
Monopólio é de atividade econômica em sentido estrito,
empreendida por agentes econômicos privados.
A exclusividade da prestação dos serviços públicos é expressão de uma situação de privilégio.
Monopólio e privilégio são distintos entre si;
não se os deve confundir no âmbito da linguagem jurídica, qual ocorre no
vocabulário vulgar.

3-A Constituição do Brasil confere à União, em caráter exclusivo,
a exploração do serviço postal e o correio aéreo nacional [artigo 20, inciso X].

4-O serviço postal é prestado pela Empresa Brasileira de
Correios e Telégrafos — ECT, empresa pública, entidade da
Administração Indireta da União, criada pelo decreto-lei n.
509, de 10 de março de 1.969.

5-É imprescindível distinguirmos o regime de privilégio, que
diz com a prestação dos serviços públicos, do regime de
monopólio sob o qual, algumas vezes, a exploração de atividade
econômica em sentido estrito é empreendida pelo Estado.

6-A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos deve atuar
em regime de exclusividade na prestação dos serviços que
lhe incumbem em situação de privilégio, o privilégio postal.”

7-Os regimes jurídicos sob os quais em regra são prestados
os serviços públicos importam em que essa atividade seja
desenvolvida sob privilégio, inclusive, em regra, o da exclusividade.

8-Arguição de descumprimento de preceito fundamental julgada
improcedente por maioria. O Tribunal deu interpretação conforme à
Constituição ao artigo 42 da Lei n. 6.538 para restringir a sua aplicação às atividades postais
descritas no artigo 9º desse ato normativo.”

Do voto condutor extraem-se lições valiosas, tais como:

1- Tendo o STF se manifestado expressamente sobre o tema, e ainda lembrando-se que, constitucionalmente, sua manifestação em controle concentrado de constitucionalidade tem eficácia contra todos e efeito vinculante (art. 102, § 3º, CF/88 c/c arts. 8º, § 3º, e 12, da Lei n. 9.882/99);

2-O ministro Eros Grau iniciou seu voto referindo-se à ordem econômica constitucional na qual a atividade econômica em sentido amplo é gênero que se divide em espécies próprias: atividades econômica em sentido estrito e serviço público.

As primeiras são exploradas pela empresa privada sob a égide da livre iniciativa e livre concorrência, mas o serviço postal, entendido como “conjunto de atividades que torna possível o envio de correspondência, ou objeto postal, de um remetente para endereço final e determinado”, é serviço público não submetido ao regime de competição.

Sendo, assim, serviço público, não se trata de monopólio, pois monopólio referese à atividade econômica em sentido estrito como definido no art. 177, CF/88, quanto à, por exemplo, pesquisa e lavra das jazidas de petróleo e gás natural e outros hidrocarbonetos
fluidos. Sendo serviço público ele pode ser prestado de duas maneiras:

a) por concessão, permissão ou autorização;

b) ou prestado diretamente pelo próprio Estado→ neste último caso temos o regime de privilégio, que no caso do serviço público postal, foi concedido à União por meio do art. 21, inciso X, CF/88.

Simplificando, temos que o serviço público exclusivo está regulado no art. 9º – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta, cartão-postal e correspondência agrupada (malote), principalmente; e o serviço público não exclusivo no art. 7º, §§ 2º e 3º – remessa de dinheiro e ordem de pagamento, recebimento de tributos, prestações, contribuições e obrigações pagáveis à vista, e remessa e entrega de encomendas.

Importante trazer à colação, ainda, passagem do voto do Min. Joaquim Barbosa que afirmou:

o serviço postal é serviço público de titularidade da União que, em regra, poderia prestá-lo de modo direto ou mediante concessão, permissão ou autorização por meio da iniciativa privada, fazendo com que, com apoio da professora Odete Medauar, no serviço público a Constituição Federal fixou que a presença do poder público pode ser forte (prestação direta) ou fraca (concessão, permissão ou autorização), mas não pode ser abolida.

Fica evidente, portanto, que o preceituado no art. 170 da CF/88 que se refere à economia em sentido estrito, não é aplicável ao serviço postal que é regido pelos Princípios da Supremacia do Interesse Público; da Igualdade; da Universalidade; da Impessoalidade;
da Continuidade; da Adaptabilidade; da Transparência; Da Motivação; da Modicidade das Tarifas e do controle. Devendo ser prestado pelo Estado para atender As necessidades e e os interesses de toda a coletividade, em território nacional.

Extraio, do voto, o seguinte trecho:

“do interesse da sociedade que, em todo e qualquer município da Federação, seja possível enviar/receber cartas pessoais, documentos e demais objetos elencados na legislação, com segurança, eficiência, continuidade e tarifas módicas. Não é mera faculdade do Poder Público colocar esse serviço à disposição da sociedade, e muito menos deixar sua completa execução aos humores do mercado, informado por interesses privados e econômicos, (…) por ser fator importante de integração nacional.”

Trago à baila trecho do voto da Ministra Ellen Grace:

em condições deficitárias, como é o caso da entrega de
correspondências em locais remotos e de difícil acesso de
nosso vasto território nacional. Garantir condições de comunicabilidade
e de remessa de mensagens ou objetos a
todos os brasileiros é objetivo que responde a mais do que
o simples interesse individual dos missivistas. Diz respeito
aos superiores interesses da integração nacional.

Caso privatizado o serviço postal no Brasil, além de uma elevação absurda das tarifas, duvido que as regiões mais pobres e remotas desse país tenham alguma forma digna de comunicação acessível com o mundo exterior.

Mais do que isso

O serviço postal brasileiro é qualificado pela Constituição Federal de 1988 como serviço público de competência exclusiva da União. Em assim sendo, no pleno exercício de seu dever constitucional, o serviço público postal não pode ser prestado pela União por
meio de concessão, permissão ou autorização; mas tão somente pelo exercício direto de sua competência determinada pela Constituição da República.

Com efeito.

A Lei Postal define a extensão do privilégio postal da ECT consolidado no amplo espectro dos serviços postais – principalmente considerando o desenvolvimento de novas tecnologias e serviços – quais deles são exercidos em regime de exclusividade e quais o são
de forma não exclusiva, diga-se que permitem a concorrência com a iniciativa privada. E o art. 9º da Lei n.º 6.538/78 define os serviços públicos postais exclusivos.

São eles:
  • Recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o
    exterior, de carta, cartão-postal e correspondência agrupada (malote), incluindo-se nesta
    lista a entrega de contas relativas ao consumo de energia elétrica, de água, de documentos
    bancários e outros e
  • Aqueles definidos o art. 7º da Lei n.º 6.538/76 relativos aos serviços de logística e
  • de distribuição de revistas, periódicos e encomendas.

CONCLUSÃO

Independentemente dos aprimoramentos tecnológicos que vieram a serviço do capitalismo selvagem, urge seja respeitada a Constituição da República e, mais do que isso, fazê-la cumprir. É assim que ficou decidido na ADPF 46, razão pela qual foi julgada improcedente. De qualquer sorte finalizo: se o objetivo da privatização vier a ser mais amplo e envolver não apenas a alienação dos Correios, mas a adoção de uma decisão política diferente da que foi incorporada na Constituição de 1988, no sentido de que a União deixe de manter o serviço postal sob qualquer formato, uma lei não será suficiente, podendo ser feito ser feito apenas por meio de uma Emenda Constitucional.

Levante ! Organize-se! Lute!
A hora de Lutar é Agora!

*Promotor de Justiça no Estado do Rio Grande do Sul há
mais de 20 anos.

Especialista em Direito Processual Civil pela UNISINOS -Universidade do Vale do Rio dos Sinos – coordenação do
professor Darci Guimarães Ribeiro.

Professor, há 20 anos, de Direito Penal; Processo Penal; Direitos da Pessoa com Deficiencia; Direito dos Idosos e Estatuto da Criança e do Adolescente na Verbo Jurídico; na FMP-Escola Superior do Ministério Público-RS; FESDEPFundação Escola Superior da Defensoria Pública-RS E Escola da AJURIS-Associação dos Juízes do Estado do Rio Grande do Sul

Foi assessor de Desembargador junto à Terceira Câmara
Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande
Do Sul.

Aprovado em 12° lugar no concurso para ingresso à carreira de Juiz de Direito/RS; em 17° lugar no concurso para ingresso à carreira de Defensor Público/RS e em 7º lugar no
concurso de ingresso à carreira de Promotor de Justiça/RS,
cargo que decidiu assumir.

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