Por Ricardo Guerra
Nos últimos anos, estamos vivendo uma situação de verdadeira calamidade pública no Brasil.
Particularmente nas periferias das grandes cidades o desemprego e a fome estão voltando a assombrar – de forma avassaladora – a vida dos brasileiros.
A investida imperialista contra o nosso país nunca foi tão agressiva como agora:
- O objetivo é garantir os lucros dos grandes capitalistas – verdadeiros abutres espoliando, ainda mais, o já tão sofrido povo trabalhador brasileiro;
- Pouco importando aos governos que lhes representam – e também à plutocracia local – a situação do trabalhador, o desemprego, as condições, ou melhor, a falta de condições adequadas de trabalho, e o aumento da carestia.
Não se discute seriamente as razões pelas quais um país tão rico está mergulhado nesta triste situação:
- Mais da metade da população brasileira sofre algum grau de insegurança alimentar;
- E ao menos 15% dos nossos cidadãos convivem com a realidade diária (permanente) de não ter o que comer.
Essa situação começou a se agravar no período logo após a efetivação da atual fase de agudização do golpe jurídico-militar-midiático em andamento no país (ver aqui, aqui, aqui e aqui):
- O governo Temer foi alçado ao poder exatamente para isso e imediatamente adotou um discurso e práticas incisivas contra as políticas universais – direcionadas aos mais vulneráveis e ao combate à pobreza;
- O seu governo agiu impetuosamente para desfazer as conquistas e avanços alcançados nas décadas anteriores, quando milhões de pessoas saíram da pobreza, principalmente devido a adoção de programas de proteção social e a valorização do salário mínimo no Brasil.
O objetivo principal dessa escalada antidemocrática e autoritária contra os direitos duramente conquistados pelos trabalhadores e pelo povo brasileiro:
- Era fazer a população acreditar que as políticas de proteção e bem-estar social – pasmem – representavam um atraso para o Brasil;
- E que os trabalhadores, para garantir a empregabilidade, precisavam pagar a conta da crise do capitalismo mundial – por meio da precarização dos seus direitos, do corte de investimentos em programas sociais, e mais ajustes fiscais.
A ideia da plutocracia – que é quem realmente está por trás de todo esse processo – era (é) passar para a população a falácia de que a superação do problema do desemprego (consequentemente o problema da fome) estava (está) condicionada a implementação de uma política econômica de “austeridade” – a tal “ponte para o futuro“:
- Que na verdade representava (representa), para os trabalhadores, um salto no escuro para o abismo – e a causa do agravamento de todos os problemas sociais do Brasil;
- E, como um Robin Hood às avessas, retirava (retira) dos pobres para dar aos ricos.
Com a falsa promessa da geração de postos de trabalho e a atração de investimentos e aquecimento da economia, essa política:
- Estabeleceu bases na aprovação de um novo regime fiscal – com o limite de gastos públicos e investimentos sociais pelo período de 20 anos (ver aqui e aqui);
- E na dita modernização (na verdade precarização) das relações de trabalho, a denominada reforma trabalhista.
O resultado, todos sabemos: não aconteceu geração de emprego nem aquecimento da economia!
Na realidade, esse golpe contra os trabalhadores e o povo brasileiro foi pensado exclusivamente para aumentar a lucratividade das grandes empresas, e a sua principal consequência foi (e continua sendo) o assustador empobrecimento da nossa população.
A famigerada “ponte para o futuro”, ‘capeta’neada por Temer, abriu as portas para o desmonte de estruturas de proteção social e para cortes orçamentários, que levaram ao fim quase todos os programas sociais nacionais.
Um processo articulado através de um descarado loteamento de cargos e de uma vergonhosa “negociação” de verbas, com parlamentares que legislam apenas de acordo com seus interesses particulares e não têm vínculos com qualquer ideia que esteja orientada para a construção de um projeto de desenvolvimento nacional (ver aqui e aqui):
- Processo que promoveu a gestação de um verdadeiro monstro e pariu de seus subterrâneos o governo Bolsonaro;
- Um governo que age diuturnamente para desmantelar o Estado brasileiro, cuja conjuntura de aberrações que protagoniza acelerou o retorno do Brasil ao Mapa da Fome.
Vivenciamos o ressurgimento de situações que jamais imaginaríamos pudessem voltar a acontecer – como o caso das filas de pessoas para conseguir doação de ossos e, hoje, milhões de pessoas passam fome, justamente no momento em que a produção de alimentos cresce exponencialmente no Brasil.
Em 2020 tivemos safras recordes de produtos como arroz, feijão, milho, soja e café. Mas todos esses e os demais principais produtos aqui produzidos são destinados prioritariamente à exportação.
Além disso, a maioria da nossa população não dispõe de renda suficiente sequer para comprar os produtos de sua primeira necessidade:
- A renda dos trabalhadores está sendo absurdamente diminuída, enquanto o preço da cesta básica vai às alturas;
- O mesmo está acontecendo com a conta de energia elétrica, do gás de cozinha, com o preço do combustível e dos transportes, mantendo o preço dos alimentos em trajetória de expansão (ver aqui e aqui).
- O desemprego atinge em torno de 13 milhões de pessoas;
- As pessoas cada vez mais se submetem à condições precárias de emprego;
- E a informalidade alcançou o absurdo patamar de 41,4% dos postos de trabalho – aproximadamente 12 milhões de brasileiros estão sem carteira assinada e 24,4 milhões trabalham por conta própria.
A gravidade da situação só tende a aumentar:
- A inflação acumulada nos últimos 12 meses, já passa de 10%, algo que não ocorria há muitos anos, e está totalmente descontrolada;
- E a falta de investimentos e a falta de planejamento do atual (des) governo deixou o país completamente desprotegido para enfrentar a estiagem, o que tem causado a diminuição dos reservatórios de água por todo o país.
Houve um grave retrocesso à garantia e viabilização de condições adequadas de alimentação para população e toda a estrutura básica para o enfrentamento de crises foi perdida, com a desarticulação dos mais importantes programas sociais, e estruturas de governo – que poderiam concorrer para a reversão dessa lamentável chaga social que é a fome no nosso país.
O fim do conselho de segurança alimentar e nutricional (Consea) – principal canal da sociedade civil para o diálogo (em nível federal) em relação às políticas públicas voltadas para a segurança alimentar e nutricional, demonstra o descaso do governo Bolsonaro/Generais/Guedes com a população e a sua total falta de pudor em adotar uma política de massacre aos trabalhadores e ao povo brasileiro, ignorando e desdenhando do aumento da fome e da insegurança alimentar.
A perseguição ideológica, aliada a agenda neoliberal, levou o Brasil a retroceder os recentes avanços obtidos na luta contra a fome:
- Praticamente foi extinto o Programa de Aquisição de Alimentos – Programa federal de incentivo à agricultura familiar e combate à fome;
- Destruíram completamente o Programa de Cisternas – Programa que promoveu a construção de 1,3 milhão de estruturas para a captação de água da chuva, que abastece a residência de cerca de cinco milhões de pessoas;
- Demitiram em massa os servidores da área de Segurança Alimentar e Nutricional e desativaram os estoques estratégicos de arroz;
- Paralisaram o Programa de reforma agrária e promoveram a descontinuidade do Programa de renda básica emergencial.
Agindo vergonhosamente de forma subserviente aos interesses imperialistas, o governo Bolsonaro mentiu descaradamente, sugerindo que o problema econômico do Brasil está ligado aos desdobramentos da pandemia do coronavírus:
- A fome voltou, mas a culpa não é – de forma alguma – do vírus;
- A parcela de contribuição que a pandemia tem nesse contexto se deve exclusivamente à genocida política adotada de (não) gestão da crise sanitária, ao negacionismo do presidente e do governo e, decisivamente, à aplicação da agenda neoliberal na economia.
Em síntese, apesar da fome ter chegado a uma condição muito próxima de ser superada, poucos anos atrás no Brasil:
- Ela retornou à centralidade dos problemas do nosso país;
- E é a expressão de uma realidade que representa uma situação veementemente crônica e de total descaso governamental.
Essa situação, drasticamente aprofundada pelos últimos dois governos, com a implementação de suas políticas ultra neoliberais – descaradamente retirando dos pobres para dar aos ricos – confirma as observações feitas por Josué de Castro, a quase cem anos atrás: “a fome é a expressão biológica de males sociológicos”.
A realidade da fome no Brasil – indica a atualidade e a necessidade de resgatar os ensinamentos de Josué de Castro:
- A atual situação, reafirma a condição intrinsecamente ligada entre a fome e as distorções econômicas, num contexto pioneiramente designado como de “subdesenvolvimento”, por Josué;
- Condição frente a qual, não bastaria apenas dispor de alimentos em quantidade suficiente e com diversificação adequada para suprir as necessidades alimentares das populações;
- Pois, conforme ele destacou, o problema da fome não é apenas uma questão de produção insuficiente de alimentos – e envolve, principalmente, a capacidade das massas disporem de poder de compra para a aquisição destes alimentos.
A fome coletiva crônica na sociedade brasileira não é consequência de uma condição de superpopulação, não decorre de uma situação relacionada a aspectos físicos, étnicos ou climáticos, nem se refere à falta de capacidade ou condições para produzir alimentos.
Ou seja, a fome no Brasil, não é produto de um fenômeno natural:
- Na realidade, ela é um fenômeno social, que incondicionalmente se pode evitar;
- Uma tragédia social que dizima uma parcela significativa da nossa população e continuamente é escondida e negligenciada.
A nossa sociedade é orientada para o consumo desenfreado e o desperdício, pouco importando que esta condição de consumo esteja disponível apenas para alguns poucos privilegiados.
Nesse tipo de sociedade:
- Não há interesse pelo equilíbrio na utilização dos recursos, tampouco pela justa distribuição da riqueza socialmente produzida;
- Não há preocupação com a organização de formas mais justas de convivência social;
- Portanto, a forma como a sociedade é dirigida e organizada inviabiliza a real solução para o problema da fome e da insegurança alimentar grave da população.
As pessoas estão morrendo de fome, e comendo de maneira insuficiente e inadequada, exatamente quando a humanidade está tendo a oportunidade de vivenciar o momento único em que os progressos da ciência e da tecnologia proporcionam a possibilidade de se construir uma sociedade sem miséria e sem fome:
- O Brasil tem todas as condições para superar essa verdadeira chaga social que mancha a sua história;
- É preciso tornar público esse debate, ter interesse e vontade política, e decisivo planejamento estatal.
A nossa história recente mostra que é possível enfrentar esse problema.
As políticas públicas adotadas do início dos anos 2000 até o ano 2015 – com os governos do Partido dos Trabalhadores atuando em diferentes áreas sociais, estimulando o desenvolvimento econômico e social e com enfoque nas realidades regionais e na integração nacional, promoveram um contexto onde a miséria e a fome estavam em processo de plena superação:
- O Brasil saiu do mapa da fome mundial;
- Viveu muitos anos numa condição de pleno emprego e de valorização do salário mínimo, com aumentos reais acima da inflação;
- Aumentou os investimentos em educação, saúde e programas de moradia;
- Implementou programas de transferência de renda, como o Bolsa Família e o Plano Brasil Sem Miséria;
- Investiu na compra de alimentos de agricultores familiares e na distribuição à população socialmente vulnerável – ameaçada pela insegurança alimentar.
O problema é que apesar desses importantes e decisivos investimentos, que foram determinantes para uma significativa e claramente percebida melhora na vida do povo brasileiro, o PT não investiu em mudanças profundas na estrutura de organização política e social da sociedade:
- Não estabeleceu o enfoque do cenário político na conscientização para a luta de classes;
- E não criou condições para as classes dominadas se tornarem efetivamente a classe dirigente;
- Consequentemente, os avanços promovidos – nesse ambiente de conciliação de classes – facilmente foram destruídos, sendo sempre o que acontece após esses breves e episódicos períodos de governos de conciliação (ver aqui).
É necessário superar as ilusões.
A fome é um produto das relações sociais da exploração capitalista paramentadas num contexto (interno e externo) de dominação econômica e política, e um ambiente geopolítico, com seus processos de globalização hierarquizados e marcados principalmente:
- Pela concentração de propriedade fundiária;
- Expropriação de terras e destruição da cultura dos povos nativos;
- E dominação nas relações internacionais de produção, comércio e distribuição sob a égide imperialista;
- Contexto que favorece apenas as oligarquias nacionais e transnacionais que dominam praticamente todo o espectro das atividades econômicas e podem fazer uso de seu poder financeiro contra os pequenos e médios setores produtivos, ampliando ainda mais suas condições monopolistas.
Ao imperialismo, já dizia Josué de Castro, interessa que as análises relacionadas às questões alimentares e aos aspectos nutricionais, fiquem restritas a elementos ligados à produção, à distribuição e ao consumo dos produtos alimentares – exclusivamente sob a perspectiva econômica – ou seja, orientadas especificamente pelos e para os interesses econômicos (quantitativos) dos grandes capitalistas.
O tão propalado agronegócio não produz alimentos, mas sim commodities que são vendidas bem longe do seu local de produção:
- Nenhum fator é mais negativo para a situação de abastecimento alimentar do Brasil do que essa estrutura agrária com características feudais;
- Um regime com elevada concentração fundiária, com relações de trabalho socialmente superadas e que não utiliza plenamente a riqueza potencial dos nossos solos;
- Onde a agricultura e a pecuária industrializadas destroem ecossistemas auto-sustentáveis, promove a degradação da biodiversidade e provoca o êxodo rural;
- Uma engrenagem que produz desemprego, aniquila a agricultura familiar, encarece os alimentos, e cuja produção não abastece o país.
Diante desse cenário, a Reforma Agrária apresenta-se como uma necessidade histórica – fazendo fundamental contraponto à essa situação:
- Democratizando-se o acesso à terra, revigora-se a agricultura familiar – que realmente produz alimentos para o consumo da nossa população;
- Incrementa-se a geração de emprego e de renda, e movimenta-se a economia local;
- Impulsionando, dessa forma, o desenvolvimento nacional.
Antes de produzir alimento para o mundo, o Brasil precisa alimentar a própria população.
O modelo de desenvolvimento dependente e as diretrizes políticas, econômicas e sociais subservientes aos interesses do imperialismo, adotados por uma classe dirigente sem qualquer sentimento de honra e senso de pertencimento à nação, não representam os interesses e as necessidades do povo brasileiro:
- Definir políticas próprias e estratégias sustentáveis, que garantam – à todos – segurança alimentar e nutrição, deve ser a prioridade do Brasil;
- Superar as estruturas determinantes para a ausência de equidade social e garantir os direitos fundamentais à cidadania e à vida, e promover o bem-estar social e a dignidade humana, é nossa obrigação.
Nesse sentido, as políticas públicas para enfrentar a desigualdade e os fatores que geram a pobreza, a miséria e a insegurança alimentar grave:
- Devem ser tomadas como prioridade por parte do Estado e se estabelecer de forma continuada e permanente;
- Respeitando a cultura e a diversidade – locais e regionais;
- E fundamentando suas bases na produção e no emprego, incentivando a pequena e a média produção.
Precisamos cuidar do nosso povo, priorizar o interesse público e a soberania popular.
Organizar e mobilizar a luta anti-imperialista é uma imperativa necessidade: mudanças só acontecem sob forte demanda e pressão popular!